quarta-feira, 12 de abril de 2017

UM PADRE COM CHEIRO DE OVELHAS: O PE.CÍCERO ROMÃO BATISTA - POR Leonardo Boff

Nos dias 20-24 de março se realizou em Juazeiro do Norte, Ceará, o V­º Simpósio Internacional Padre Cícero com o tema “Reconciliação…e agora?” Fiquei admirado pelo alto nível das exposições e das discussões com a presença de pesquisadores nacionais e estrangeiros. Tratava-se da reconciliação da Igreja com o Pe. Cícero que sofreu pesadas penas canônicas, hoje questionáveis, sem jamais se queixar, num profundo respeito às autoridades eclesiásticas e reconciliação com os milhares de romeiros que o consideram um santo.

Indiscutivelmente o Pe. Cícero Romão Batista (1844-1034), por suas múltiplas facetas, é uma figura polêmica. Mas mais e mais as críticas vão se diluindo para dar lugar àquilo que o Papa Francisco através do Secretário de Estado Card. Pietro Parolin, numa carta ao bispo local Dom Fernando Panico de 20 de outubro de 2015, expressamente diz que no contexto da nova evangelização e da opção pelas periferias existenciais a “atitude do Pe. Cícero em acolher a todos, especialmente aos pobres e sofredores, aconselhando-os e abençoando-os, constitui, sem dúvida, um sinal importante e atual”.

O Pe. Cícero corporifica o tipo de padre adequado à fé de nosso povo, especialmente nordestino. Existe o padre da instituição paróquia, classicamente centrada no padre, nos sacramentos e na transmissão da reta doutrina pela catequese. É um tipo de Igreja que se autofinaliza e com parca incidência social em termos de justiça e defesa dos direitos humanos especialmente dos pobres.

Entre nós surgiu um outro tipo de padre como o Pe. Ibiapina (1806-1883), que foi magistrado e deputado federal, tendo abandonado tudo para, como sacerdote, colocar-se a serviço dos pobres nordestinos, como o Pe. Cícero, o Frei Damião, Pe. José Comblin entre outros. Eles inauguraram um outro tipo ação religiosa junto ao povo. Não negam os sacramentos, porém, mais importante é acompanhar o povo, defender seus direitos, criar por toda parte escolas e centros de caridade (de atendimento), aconselhá-lo e reforçar sua piedade popular. Esse é o tipo de padre adequado à nossa realidade e que o povo aprecia e necessita.

Esse era também o método do Pe. Cícero que se desdobrava em três vertentes: primeiro conviver diretamente com o povo, cumprimentando e abraçando a todos; em seguida visitar todas as casas dos sítios, abençoando a todos, a criação dos animais e as plantações; por fim orientar e aconselhar o povo nas pregações e novenas; ao anoitecer reunia as pessoas diante de sua casa e distribuía bons conselhos e encaminhava para o aprendizado de todo tipo de ofícios para tornarem independentes.

Neste contexto o Pe. Cícero se antecipou ao nosso discurso ecológico com seus 10 mandamentos ambientais, válidos até os dias de hoje (“não derrube o mato nem mesmo um só pé de pau” etc.).

O Pe. Comblin, eminente teólogo, devoto do Pe. Cícero e que quis ser enterrado ao lado do Pe. Ibiapina escreveu com acerto: ”O Padre Cícero adotou amorosamente os pobres e advogou a causa dos nordestinos oprimidos, dedicando-lhes incansavelmente 62 anos de vida. E o povo pobre o reconheceu, o defendeu e o consagrou, continuando a expressar-lhe o seu devotamento, porque viu e vê nele o Pai dos Pobres. Antecipou em muitos anos as opções da Igreja na América Latina. É impossível negar a sincera opção pelos pobres, como foi dito por um deles: "Meu padrinho é padre santo/como ele outro não há/ pois tudo o que ele recebe/ tudo de esmola dá” (O Padre Cícero de Juazeiro, 2011 p.43-44).

Curiosamente, se recolhermos os muitos pronunciamentos do Papa Francisco sobre o tipo de padre que projeta e quer, veremos que o Pe. Cícero se enquadra à maravilha, ao modelo papal. Não há espaço aqui para trazer a farte documentação que se encontra no meu blog (www.leonardoboff. wordpress.com) que recolhe minha intervenção em Juazeiro: “O Padre Cícero à luz do Papa Francisco”.

Repetidas vezes enfatiza o Papa Francisco que o padre “deve ter cheiro de ovelha”, quer dizer, alguém que está no meio de seu “rebanho” e caminha com ele. Cito apenas dois textos emblemáticos, um proferido ao episcopado italiano no dia 16 de maio de 2016 onde diz: ”O padre não pode ser burocrático mas alguém que é capaz de sair de si mesmo, caminhando com o coração e o ritmo dos pobres”. O outro aos bispos recém sagrados no dia 18 de setembro de 2016: "o pastor deve ser capaz de escutar e de encantar e atrair as pessoas pelo amor e pela ternura”.

Estas e outras qualidades foram vividas profundamente pelo Pe. Cícero, tido como o Grande Patriarca do Nordeste, o Padrinho Universal, o Intercessor junto a Deus em todos os problemas da vida, o Santo cuja intercessão nunca falha. Os romeiros e devotos sabem disso. E nós secundamos esta convicção.
(Articulista do JB on line . Escreveu A nova evangelização: a perspectiva dos pobres, Vozes 1991)

terça-feira, 4 de abril de 2017

Bispo da Diocese de Crato, Dom Gilberto Pastana, recebe a Carta do Simpósio de Padre Cícero

     Após as conferências, palestras, debates e mesas redondas, o V Simpósio Internacional sobre o Padre Cícero: "Reconciliação... e agora?" resultou numa carta que foi entregue nesta segunda-feira ao Bispo Diocesano de Crato, Dom Gilberto Pastana. O documento é assinado por todos os participantes do evento e foi levado à Cúria Diocesana de Crato pelas professoras da Universidade Regional do Cariri (Urca), Fátima Pinho, Renata Paz Marinho e Paula Cordeiro, que coordenaram o simpósio.

      Estiveram presentes ainda os padres Zé Vicente e Rocildo Alves Lima Filho e a carta sugere a sequência dos estudos em torno da vida e da obra missionária do Padre Cícero, bem como os fenômenos ocorridos em Juazeiro. Eis a íntegra do documento entregue ontem ao Bispo Diocesano, dom Gilberto Pastana:

       Diante da reconciliação histórica decretada pela Congregação para a Doutrina da Fé, datada de 27 de outubro de 2014, e da carta do Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado, datada de 20 de outubro de 2015, na qual é incentivada a atenção pastoral ao fenômeno religioso das romarias em Juazeiro do Norte, e que, além disso, a mesma carta diz que "pela distância do tempo e complexidade do material disponível elas (as questões históricas, canônicas ou éticas do passado) continuam a ser objetos de estudo e análise, com interpretações as mais variadas e diversificadas" e,
- Considerando os debates realizados neste Simpósio sobre a pertinência de dar continuidade ao processo do Padre Cícero Romão Batista na Santa Sé;
- Considerando a realidade que nos apontam os romeiros e romeiras, qual seja a de que Padre Cícero é santo;
- Considerando que os relatos de milagres por intercessão do Padre Cícero são muitos;
- Considerando que todo processo canônico do Padre Cícero deu-se inicialmente por um único motivo: o sangramento da hóstia consagrada na boca da Beata Maria de Araújo;
- Considerando a importância de esclarecimentos definitivos, a nível diocesano, sobre esse fenômeno, nós abaixo assinados, participantes do V Simpósio Internacional sobre o Padre Cícero: "Reconciliação... e agora", sugerimos e solicitamos, a seu critério, a nomeação de uma comissão que tenha duas tarefas:
- A primeira para a continuidade do estudo da vida e da obra missionária do Padre Cícero Romão Batista a fim de compreender, sistematizar e relatar a devoção atual dos romeiros e, também, para conhecer, averiguar e analisar possíveis milagres operados em nome do Padre Cícero, em vista de um primeiro passo em direção a um processo de reconhecimento de suas virtudes heróicas.
- A segunda para estudar, histórica e religiosamente, o fenômeno, e apenas o fenômeno do derramamento de sangue ocorrido com a Beata Maria de Araújo.