quarta-feira, 23 de agosto de 2017

PADRE CÍCERO E FREI DAMIÃO: DUAS PESSOAS EM UMA SÓ - Por Junior Almeida


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Pio Giannotti nasceu em Bolzano na Itália em 5 de novembro de 1898 se ordenado como religioso em 25 de agosto de 1923, adotando o nome de Frei Damião. No início da década de 1930 veio para o Nordeste do Brasil, onde passou a ser conhecido acrescentando no nome seu lugar de origem. Por essas terras seu nome era “Frei Damião de Bolzano”. Sua primeira celebração foi na localidade Riacho do Mel, município de Gravatá em Pernambuco. O frade da ordem dos capuchinhos viria a fazer história no Brasil, principalmente no Nordeste, onde sempre pregou para multidões, nas chamadas santas missões.

Atualmente (2016) o frei tem seu nome em processo de beatificação pelo Vaticano para ser declarado santo da Igreja Católica. Frei Damião que já tinha seu nome venerado quando ainda era vivo, e mesmo antes da declaração oficial da Igreja já é hoje considerado um santo pelos seus fiéis. O frade só não mais venerado do que outro religioso, esse legitimamente nordestino, o cearense Padre Cícero Romão Batista, nascido na cidade do Crato em 24 de março de 1844 e falecido em 20 de julho de 1934 na cidade de Juazeiro, lugar que ele fez nascer de alguns casebres de palha e que atualmente é a segunda mais importante do Ceará.

Mesmo com essa distância em seus nascimentos e mais de meio século de diferença de datas, tem gente que jura que os dois são a mesma pessoa ou que Frei Damião por ser mais novo, é a reencarnação de Padre Cícero, mesmo essa tese batendo de frente com a doutrina católica, que não reconhece preceitos da fé espírita. Não é difícil de encontrar em alguns lares nordestinos folhinhas de calendários com as imagens dos dois religiosos postas lado a lado ou calendários com a imagem do Coração de Jesus ou Coração de Maria ao centro, com os dois ao lado.

Um dos casos que se conta para que essa suposta tese ganhe força é que o “Patriarca do Juazeiro” deu a um de seus fies ajudantes um livro para que esse guardasse e só entregasse a ele próprio, a nenhum outro portador. Segundo o relato passado de geração para geração, e de conhecimento dos romeiros da “Meca Nordestina”, é que o dito homem guardou a encomenda e nem de longe pensou em desobedecer ao padrinho. O tempo passou e Padre Cícero faleceu em julho de 1934, sem que tivesse ido antes apanhar o livro na casa do homem que lhe confiou à posse. Muito zeloso o sujeito guardou aquela relíquia, que lhe fora confiada, segundo acreditava, por um santo vivo.

Algum tempo depois o homem que guardava o livro, ouviu um bater de palmas em sua porta. Foi atender e se surpreendeu ao ver que quem chamava era Frei Damião. Lisonjeado com a ilustre visita, imediatamente o dono da casa pediu benção ao frade e o convidou para entrar em sua humilde casa. Frei Damião entrou e sentou-se. Depois de pedir um copo d’água disse a que veio. Tinha vindo apanhar a encomenda que tinha deixado.

- Que encomenda, o que se referia o sacerdote, se essa seria a primeira vez que viera ao seu “rancho”? Pensava o confuso homem.

- O livro que deixei aos seus cuidados tempos atrás. Teria dito Frei Damião.

Mais confuso ainda o homem foi buscar o livro, que estava cuidadosamente guardado no fundo de um baú em seu quarto e entregou ao frade capuchinho, que afirmou ser aquele mesmo o livro que entregara aos cuidados do romeiro. Esse fato, segundo as histórias e lendas de Juazeiro, seria uma das “provas” que Padre Cícero e Frei Damião são a mesma pessoa, ou que o segundo é a reencarnação do primeiro.

O AUTOR
Euclides José de Almeida Junior (Junior Almeida), escritor nascido em Garanhuns, PE), atualmente residente em Capoeiras, PE. Graduando em História em Garanhuns.

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Padre Cícero e o acolhimento ao povo nordestino - Por José Romero Araújo Cardoso

        Personagem polêmico da História recente do Nordeste Brasileiro, Padre Cícero Romão Batista começou a angariar respeito logo após sua ordenação, quando foi designado pelos seus superiores, na década de 70 do século XIX, para ser o vigário de erma localidade perdida nos confins da chapada do Araripe cearense, conhecida por Joazeiro, antigo ponto de parada de tropeiros que iam e vinham da longínqua e desenvolvida cidade do Aracati, ponto de comercialização da produção sertaneja de outrora.
          As terras pertenciam a outro Padre de nome Pedro Ribeiro, havendo igreja dedicada a Nossa Senhora das Dores, ao redor da qual estavam erguidas cerca de setenta e duas casinhas de taipa, habitadas por gente de índole pouco recomendável. Em pouco tempo, Padre Cícero conseguiu converter bandidos, prostitutas, malandros, vigaristas e toda ordem de pessoas desvirtuadas, granjeando fama nos arredores devido às façanhas conquistadas. Quando da grande seca de 1877-1879, apiedado da situação dos sertanejos, passou a proferir sermões na igreja de Nossa Senhora das Dores com apelo para que os deserdados da terrível estiagem se dirigissem às distantes plagas do Norte, onde começava a se dinamizar a extração da borracha de seringueira para atender as exigências da nascente indústria automobilística.
          Em março de 1889, protagonizou com a beata Maria de Araújo o “milagre da hóstia”. Ao receber a comunhão, a humilde sertaneja espantou as pessoas presentes, pois esta se transformou em sangue e depois tomou o formato de coração.
          O afluxo de gente em direção ao Joazeiro, após o “milagre da hóstia”, passou a ser contínuo, cada vez mais intenso, despertando a atenção dos seus superiores em Fortaleza, os quais enviaram a primeira comissão episcopal para analisar o fenômeno. O veredicto determinou a fraude do “milagre da hóstia”, mas interesses maiores fizeram com que outra investigação fosse realizada, a qual se definiu favorável aos episódios ocorridos no Joazeiro. Chamado a Roma para se explicar, Padre Cícero desafiou a estrutura suprema da igreja católica, negando que o “milagre da hóstia” tivesse sido um embuste. Então foi definida sua suspensão das ordens sacerdotais e sua excomunhão.
          Para o povo sertanejo que esperava seu regresso nada disso importava, pois já o tinha como “Padim protetor”, aquele que era a garantia melhores dias, materiais e espirituais, verdadeiro Messias à imagem do Padre Ibiapina e do Frei Vitale.
          Padre Cícero promoveu verdadeira revolução, pois evitava que àquelas pessoas simples e humildes que chegavam diariamente ao Joazeiro engrossassem as fileiras do cangaço, fazendo-as beatos e beatos, as  quais passaram a rezar contritas e irresolutas, realizando trabalhos espirituais ao invés de estarem empunhando rifles e punhais assassinos.
          Apesar do intenso trabalho sócio-religioso que realizou, Padre Cícero contribuiu bastante para o fortalecimento da violência do mandonismo quando deu poderes ilimitados ao médico baiano Floro Bartholomeu da Costa, responsável pela inserção política do movimento do Joazeiro, antes eminentemente religioso.
          Vinculado ao Acciolismo, Padre Cícero deu carta branca para que Floro e o exército de romeiros-jagunços avançassem até Fortaleza, intuindo depor, quando da “revolução” de 1914, o governo de Franco Rabelo, cujo fato se evidenciou de forma notável.
          Apesar do acolhimento espiritual e material a sertanejos oriundos de todos os recantos, principalmente do Estado de Alagoas, Padre Cícero se firmou na história nordestina e brasileira como um dos mais discutidos personagem de todos os tempos.
* Crônica não classificada no I Concurso Homenagem ao Padre do Juazeiro, promovido pelo Parque Cultural "O Rei do Baião" e Caldeirão Político.

José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo (UFPB). Professor-Adjunto IV do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Geografai e Gestão Territorial (UFPB) e em Organização de Arquivos (UFPB). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA - UERN). Escritor. Membro da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC), do Instituto Cultural do Oeste Potiguar (ICOP) e da Associação dos Escritores Mossoroenses (ASCRIM).