segunda-feira, 25 de março de 2019

Juazeiro do Norte, a fé que construiu um mito - Professor José Urbano



Quando nos debruçamos sobre o estudo da formação social do nordeste, temos uma elenco de personagens que moldaram a identidade desta região do Brasil.  Buscando memorizar a partir do século XIX, encontramos Antônio Conselheiro e sua Canudos, no sertão da Bahia;  Antônio Silvino, Lampião e Corisco em destaque no cangaço; a musicalidade de Luiz Gonzaga e o multi facetado Cícero Romão Batista.  Denomino este último personagem como a matriz religiosa do catolicismo nordestino, porém um homem que merece ser visto em 4 faces: o sertanejo anônimo até os 21 anos, assim como milhões de outros de sua época; o seminarista inquieto que tornou se Padre e foi arrebanhar cristãos no sertão do Cariri; o carismático articulador que deu independência ao povoado de Juazeiro do Norte, tornando-se o    seu fundador e líder supremo; e o homem que tornou se Mito até os nossos dias.  A vida deste personagem se prolongou por 90 anos, longevidade que o favoreceu para realizar tudo o que planejou, ou até mais do que havia sonhado.  Órfão de pai aos 18 anos, se viu na responsabilidade de - mesmo imaturo - dividir com sua mãe a tarefa de garantir a sobrevivência, bem como a moral da família, composta por sua matriarca, duas irmãs e uma criada. Plenamente  vocacionado para a evangelização, aos 21 anos é admitido como seminarista na distante Fortaleza, capital do seu Estado.  Com recursos mínimos, apoio de um importante coronel, Cícero passa 5 anos estudando, longe da família.  Retorna ao seu reduto sertanejo, para ser um padre como tantos outros naquela região.  Mas seu perfil o molda em ser alguém fora do comum.  A partir de um polêmico fenômeno -  suposto milagre -  vê a sua popularidade alcançar as fronteiras do estado.  Questionado pelo seu Bispo, D. Joaquim Vieira, se acirra um tensionamento que nada tem de cristão, nos quesitos perdão, tolerância, caridade. Transpõe a hierarquia católica e as fronteiras do Brasil, e vai para o Vaticano, explicar-se ao Papa Leão XIII. Excomungado pela igreja e venerado pelo povo, Cícero só se fortalece a cada diversidade que enfrenta. Envolvido em causas sociais, rompe o século XIX e na aurora do século XX, desmembra o Juazeiro da cidade do Crato, firma o Pacto dos Coronéis, unindo 16 chefes políticos em torno do seu nome, e planilha a estrada do sertão ao litoral, criando as condições  do apoio popular necessário para governar ou influenciar todo o estado do Ceará. Num polêmico ato, no ano de 1926, recebe Lampião, outro mito, no seu reino encantado do Juazeiro. De fala simples, sabedoria ímpar e carisma angelical, seus azulados olhos permitem uma visão futurista daquela sociedade.  Extremamente hábil em suas falas, o padre desfaz qualquer barreira entre o pastor e o seu rebanho, o que denomino “jeito caseiro de evangelizar”.  Somando essas habilidades com a visão política do médico Floro Bartolomeu, assistido pelo libanês Benjamin Abrahão, seu secretário particular, auxiliado pela governanta Beata Mocinha, e como devota Maria de Araújo, a beata da hóstia que sangrou, o padre cria um time seleto de personagens que, sob seu comando, imprimem sua marca indelével no coração dos seus Juazeirenses, além dos milhares de romeiros à sua época.  Cícero Romão transitou entre política e religião com a mesma habilidade, acima do seu tempo e muito além dele.  Fundador da cidade, foi Prefeito, Vice Governador do Ceará, Deputado Federal...títulos passageiros, nada comparável ao mito que se tornou até os nossos dias.  Explicar ou entender o referido personagem? Ainda não, em sua totalidade.  Uma face de cada vez.  No monumento maior, do alto da colina que abriga sua gigantesca estátua de 25 metros de altura,   dia e noite, o simbolismo do mito contempla sua Juazeiro, e tem aos seus pés uma multidão diária de conterrâneos, romeiros, beatas, estudiosos, católicos, ateus,  jornalistas e todos aqueles que querem conhecer o mito sertanejo e seu maior milagre:  a capacidade de se eternizar na história e na memória do povo.  Viva Juazeiro do Norte, sua cultura e sua gente, guiada pelas mãos do seu Padim Cícero Romão Batista. História, fé e ação com a marca genuinamente nordestina.

Prof. José Urbano

terça-feira, 28 de agosto de 2018

PADRE CÍCERO E A PARAÍBA Por Junior Almeida

Zabelê é um pequeno município do Sertão da Paraíba, próximo a Monteiro e que faz divisa com o Estado de Pernambuco. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -IBGE- a sua população em 2010 era de apenas 2.075 habitantes distribuídos numa área territorial de 109 km2. O religioso holandês João Jorge Rieltveld, 15º padre do vizinho município São Sebastião do Umbuzeiro, a quem Zabelê pertencia, defende que quando a localidade ainda era uma fazenda, essa ficou abandonada depois da morte do seu proprietário José Raposo em 1850, sendo ocupada anos depois por negros recém-libertados pela Lei Áurea de 13 de maio de 1888. Conta-nos o padre Jorge que quatro famílias dos antigos escravos tomaram posse das terras. Eram elas: os Martins, os Raimundo, os Alves e os Baltazar.

A ocupação teria sido aconselhada pelo Padre Cícero Romão Batista, que passou por Zabelê em 11 de fevereiro de 1898, quando ainda eram terras de São Sebastião do Umbuzeiro. Além da orientação às quatro famílias desamparadas, ocorreu outro fato em Zabelê envolvendo o Patriarca do Juazeiro. Foi assim: Ao chegar à localidade, Padre Cícero encontrou uma mulher grávida, e fez o sinal da cruz em sua barriga. Poucos dias depois veio ao mundo um bebê natimorto. O povo do lugar entendeu o gesto do padre como uma visão dele do que estava por vir. E disseram: “morto, porém, batizado”.

Ainda naquela região outra passagem envolvendo Padre Cícero é contada. O quarto padre de São Sebastião do Umbuzeiro foi o pernambucano de São José do Egito, Antônio Francisco de Barros Ramalho (1882-1952), que ficou à frente da Igreja local de 1920 a 1922. Ele dizia para quem quisesse ouvir que reconhecia em Padre Cícero um sacerdote muito inteligente, mas nunca um santo. E fazia mais: quando os devotos do “Padim” levavam o seu retrato para que Padre Antônio benzesse, ele mandava que os fiéis o rasgassem, dizendo ser aquilo uma infantilidade.

Antes de ir para Umbuzeiro, o religioso ficou à frente da construção da matriz de Monteiro, mas algo não estava certo. Toda vez que se construíam as paredes da torre da igreja, essas desabavam. Isso aconteceu por várias vezes. O povo não entendia o que estava acontecendo, e o Padre Antônio resolveu ir ao Juazeiro, na esperança de ter uma resposta para tal mistério. Lá chegando encontrou Padre Cícero rezando com a multidão. Em meio às orações o Patriarca do Juazeiro fez uma pausa e disse:

Aqui tem um sacerdote que está construindo uma igreja e não consegue termina-la. Pode voltar e continuar a obra que nada mais vai atrapalhar.

Depois disso nada mais aconteceu, e o padre terminou a construção na cidade de Monteiro, edificando também um templo na cidade de Natuba, para onde foi transferido e viveu seus últimos dias.

*Informações do livro "Na Sombra do Umbuzeiro; A História da Paróquia de São Sebastião do Umbuzeiro", do Padre João Jorge Rietveld.


sábado, 17 de fevereiro de 2018

Padre Cícero Romão Batista: um intelectual orgânico? - Por Joarez Virgolino Aires

Em tese de doutorado, a Profa. Luitgade Olveira, em seu livro A Terra da Mãe de Deus, pela Editora Francisco Alves, identifica o movimento dos beatos e conselheiros do Brasil, a partir da matriz ideológica do padre Mestre Ibiapina. Aplicando a teoria de Antônio Gramsci, entende que estes líderes religiosos plasmaram e influenciaram um grupo social e, por isto, mesmo que analfabetos, entram na categoria de intelectuais orgânicos.

Depois de São Francisco de Sales, Padre Mestre Ibiapina foi o grande modelo na vida do padre Cícero como de todos os conselheiros e beatos da época.

Enquanto não recebe uma paróquia, o Padre Cícero colabora como professor de Latim no Colégio Venerá­vel Ibiapina, fundado e dirigido por José Marrocos e celebra nas capelas da região.

Infância do Padre Cícero

Os biógrafos do Padre Cícero são unânimes em retratá-lo, nessa fase, como uma criança e um adolescente já tocados pelo fervor religioso do mundo sertanejo de sua época. O ambiente familiar de profundo respeito ao Padre Ibiapina, a leitura da vida de santos, a assiduidade à Igreja, a vivência das missões, formam o clima de religiosidade de sua vida. Mas, principal­mente a leitura da vida de São Francisco de Sales determinará, como ele próprio deixará escrito em testamento, sua decisão de se dedicar ao sacerdócio.

Mais velho do que Cícero e acossado pelas desditas cente­nárias de sua família, vagueia pelo Cariri Antônio Vicente Mendes Maciel. Enquanto Cícero, jovem, aspira ao sacerdócio tendo Ibiapina por modelo, Antônio Vicente veste o hábito dos beatos, põe a cruz às costas e parte para sua missão na terra.

Após a morte do pai, Cícero fica ameaçado de não poder continuar os estudos. Em socorro de seu ideal vem o padrinho, o rico comerciante Antonio Luiz Alves Pequeno, que se ofe­rece para financiar os estudos do afilhado até sua ordenação.

Próximo à ordenação, o reitor do Seminário levanta dúvida so­bre a conveniência de sua ordenação, alegando sua ausência do confessionário por um espaço muito longo de tempo.

Cícero Romão, ordenado Padre

Em 1870, quando Cícero se torna padre, já Ibiapina está afastado do Ceará, onde a presença da autoridade eclesiástica tolhera-lhe todos os passos. Em 1872 D. Luiz parece ter-se apossado de todo o rebanho submetido a sua autoridade, com a despedida definitiva de Ibiapina das Terras do Cariri.

Em janeiro de 1871, ordenado aos 26 anos, chega ao Crato o Padre Cícero Romão Baptista. Desfruta da amizade, da con­fiança e da consideração do Bispo D. Luiz que, em 29 de de­zembro já lhe concedera licença para pregar e celebrar, pelo prazo de 1 ano. Enquanto não recebe uma paróquia, o Padre Cícero colabora como professor de Latim no Colégio Venerá­vel Ibiapina, fundado e dirigido por José Marrocos e celebra nas capelas da região.

Os historiadores do Juazeiro descre­vem o povoado constituído de pequenas casas em torno do pá­tio da capela e ao longo da margem do rio Salgadinho. Os habi­tantes não primavam pela repetição em suas práxis de vida, dos ensinamentos dos capelães. Cultivavam os hábitos de samba e cachaçada nas horas de lazer e viviam em promiscuidade. Jua­zeiro era mais uma pousada para os viandantes que se dirigiam de Barbalha, Milagres e outras paragens, para o Crato. Os comboieiros se dessedentam à sombra dos frondosos juazeiros. Mas o povoado já tinha escola e era aí que o Padre Cícero per­noitava quando vinha aos domingos celebrar missa, função que desempenhou a partir daquela noite de Natal, a pedido do pro­fessor Simeão Macedo e os fazendeiros da vizinhança que, em­bora residindo em suas fazendas, tinham casas construídas no arruado. Poucas eram as famílias de posses que residiam na rua.

Padre Cícero não era um bronco. O acervo de conhecimentos do Padre Cícero entusiasmou o botânico alemão Philipp V que, a serviço da Ins­petoria Federal de Obras Contra as Secas – do Ministério da Viação e Obras Públicas, passou no Juazeiro em 1921.

De sua viagem publicou o livro “Estudo Botânico do Nordeste”, pu­blicação daquele Ministério, em 1923. Na página 59 deste livro, se lê: “Naturalmente, para mim, se tornou de capital importância co­nhecer e falar com o Padre Cícero e tive o prazer de, à minha chegada, ser recebido e ter animada palestra com o mesmo. Este velho, de real prestígio popular, deixou-me gratas recorda­ções. Tratou-me com delicadeza e amabilidade. De facto, tra­ta-se de um homem que dispõe de instrução e saber invulgares: aborda com egual facilidade a política e a história brasileira; tem conhecimentos profundos de história universal, ciência naturaes, especialmente quanto à agricultura. (…)

Episódio prodigioso. Padre Bulhões, questionado um dia por uma paro­quiana por que não falava do púlpito condenando o Padre Cí­cero, respondeu: “Comadre, eu não sei quem é o Padre Cícero! Não conheço os desígnios de Deus para esse sa­cerdote. Além do mais, não sabendo de nenhum crime desse homem, prefiro não duvidar dos poderes de Deus.” E contou a história de um padre seu amigo, vigário numa cidade da beira do S. Francisco, centenas de léguas distante do Juazeiro. Esse padre acorda um dia com o sino da igreja chamando para a mis­sa. Como ainda estava escuro, pensou que o sacristão se enga­nara no horário e correu a adverti-lo. Chegando lá, encontra a igreja iluminada, cheia de gente, e um padre de costas cele­brando a missa. Espantado com o fato, ele se aproxima do altar para ajudar o padre que estava sem sacristão. E constata, cheio de assombro, ser o Padre Cícero. Este ainda era vivo, muito velhinho, no Juazeiro. Terminada a missa onde comungaram muitas pessoas, todas desconhecidas do vigário, este se dirige ao Padre Cícero: Como o Sr. está aqui, suspenso de ordem, tão distante do Juazeiro, quando chegou? O Padre Cícero lhe sorri respondendo: Meu amiguinho, você dorme demais!

Fala isto e desaparece da vista do vigário, juntamente com todos os assis­tentes da missa. A igreja fica às escuras e o vigário tomado de terror tenta fugir aos gritos. Na carreira cai e fratura uma perna ficando ali, até à hora em que o sacristão o en­contra deitado, sem coragem de se mover. Esse padre, que fi­cou defeituoso da perna, relatou pessoalmente o caso ao Padre Bulhões, quando este o foi visitar. Concluindo, afirmava Padre Bulhões: “Compreendeu, comadre? Era o Pa­dre Cícero, em espírito, celebrando missa para as almas do purgatório, fora do Juazeiro!”
Fonte: http://padrescasadosceara.comunidades.net/padre-cicero-romao-batista-pe-joarez-virgolino

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

A BEATA MARIA ARAÚJO - Por: Colô Do Arneiroz

17 de Janeiro de 1914, há exatos 104 anos, morria Maria Magdalena do Espírito Santo de Araújo, Beata Maria de Araújo. Desde tenra idade que Maria de Araújo apresentava traços de uma pessoa mística, Padre Cicero passaria a ser o seu guia espiritual, pois aquela passaria a sofrer perseguições e acusações caso a referida não fosse acompanhada e bem interpretada. Em 1° de março de 1889, com Maria de Araujo, acontece a transubstanciação da hóstia consagrada em sangue em sua boca. O fenômeno acontecerá dezenas de vezes. Acusada de embuste, D. Joaquim José Vieira priva a religiosa de suas liberdades, é interrogada sob forte apelo psicológico, além de tortura com uso de palmatória. Nesta data, Ela entrega sua vida a Deus para que Sedição de Juazeiro se debelace, pondo fim a guerra que tanto trouxe preocupações. Seu corpo fora sepultado no inferior da Capela do Socorro e em 1930 seus restos mortais são retirados e dado destino ignorado. Padre Cicero, já idoso aos 86 anos, ficara ainda mais indignado e, incompreensível, com a performance de sua igreja. O ato foi para exterminar as romarias, reduzir a zero o milagre eucaristico ocorrido naquele idos de 1889, cuja personagem central deveria ser ocultada. O milagre foi real, muito bem documentado, prova que a aquela mulher tinha sim uma relação muito próxima com Deus, como afirma a parapcicóloga Maria Pagani Forti. Hoje, havemos de relembra-la, pois sua vida foi de plena religiosidade, honesta, simples e humilde. Viva a Beata Maria de Araújo.


sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Certidão de Batismo do Padre Cícero confirma que ele nasceu no dia 23 de março de 1844


Os pesquisadores Daniel Walker e Renato Casimiro depois de intensa pesquisa na internet encontraram e agora compartilham com os leitores um documento histórico que fazia tempo estavam querendo encontrar. Trata-se do assentamento do batismo do Padre Cícero na forma como está escrito no Livro de Batismo da Paróquia de Nossa Senhora da Penha de Crato. Ele confirma que realmente Padre Cícero nasceu mesmo foi no dia 23 de março de 1844, muito embora seu aniversário seja comemorado, desde a sua infância, no dia 24 de março. O motivo até hoje é um mistério. O assentamento diz o seguinte: “Cícero, filho legítimo de Joaquim Romão Batista Meraíba e de sua mulher Joaquina Ferreira Castão. Nasceu em vinte e três de março de 1844 e foi batizado pelo pároco solenemente com santos óleos nesta cidade do Crato em oito de abril do mesmo ano. Foram seus padrinhos o avô paterno Romão José Batista e Antônia Maria de Jesus, do que para constar mandei fazer este assento em que me assino. Manuel Joaquim Aires do Nascimento. Livro de Batizados, Crato, 1843 a 1845, fl. 61. O documento foi encontrado no site: 
https://www.familysearch.org
Esse site é muito bom para se pesquisar nascimento, casamento e óbito. Agora os pesquisadores vão tentar encontrar o assentamento da beata Maria de Araújo para dirimir a dúvida sobre o seu nascimento, pois há historiadores que falam que ela nasceu em 23 de maio de 1862, outros 1863 e outros 1864. O batistério vai acabar com a dúvida. Não é possível comprovar a data exata de nascimento do Padre Cícero com uma Certidão de Nascimento lavrada em cartório porque o Registro Cívil só surgiu no Brasil em 1874, portanto 30 anos depois do nascimento do Padre Cícero. 

Por que dia 24?
Como foi dito acima, até hoje é um mistério a razão pela qual a data de aniversário de Padre Cícero é comemorada no dia 24 de março e não no dia 23 que é a sua verdadeira data de nascimento. O escritor Otacílio Anselmo em seu livro Padre Cícero, Mito e Realidade, p. 18 emitiu esta opinião:   “Não se pode indicar a quem coube a responsabilidade desse pulo de 24 horas sobre a data natalícia do sacerdote. Entretanto, pode-se afirmar que o salto, embora sem significação aparente, tivera um objetivo determinado, qual seja o de vincular o nascimento do Pe. Cícero ao dia 25 de março, que é consagrado pela Igreja à Anunciação de Nossa Senhora. O próprio sacerdote, em carta enviada de Roma para sua mãe, datada de 24-3-1898, evoca a falsa prerrogativa: “Hoje que faço 54 anos e véspera da Anunciação da Mãe de Deus, ...”. Admitindo-se que a ideia dessa transposição de data tenha partido dele, a fraude se ajusta à vaidade doentia de que foi portador, devendo-se juntá-la às lendas por ele mesmo criadas, como se verá no curso de sua história. Por outro lado, a burla tería sido uma das manifestações da paranoia que lhe atribuiu o Dr. Fernandes Távora (“O Padre Cícero”, in Revista do Instituto do Ceará, 1943), diagnóstico com o qual não concorda o Prof. Lourenço Filho (Juàzeiro do Padre Cícero, 3.a ed., Edições Melhoramentos, São Paulo). Seja como for, 24 de março é uma das mistificações engendradas em Juazeiro do Norte para endeusar o homem comum que foi o Pe. Cícero, cujo nascimento, queiram ou não os seus incensadores, ocorreu no dia 23 de março, conforme prova o documento”.
Mas outro escritor, o médico cratense Irineu Pinheiro, escreveu em seu livro Efemérides do Cariri, p.132 que: “Sempre sua família,  seus amigos e ele próprio (o Padre Cícero)  festejaram seu aniversário natalício no dia 24 de março”. 
Segundo Daniel Walker, "a hipótese aventada por Otacílio Anselmo é fraca, pois se a intenção de Padre Cícero era associar seu nascimento à data de Anunciação da Mãe de Deus seria bem melhor ele transferir o evento para o dia 25 e não para a véspera. E depois, pelo que se deduz da explicação dada por Irineu Pinheiro,  o nascimento do Padre Cícero já vinha sendo comemorado no dia 24 há muito tempo, possivelmente desde a infância do Padre Cícero, não sendo, portanto, iniciativa dele (Padre Cícero) como resultado de sua paranoia,  nem uma das mistificações engendradas em Juazeiro do Norte para endeusar o homem comum que foi o Pe. Cícero, como admite Otacílio".
O historiador Amando Rafael dá a sua versão: "Naquela época em que se escrevia a bico de pena (usando um tinteiro e mata-borrão para secar a tinta) as pessoas escolhiam –  um dia ou uma hora – para tal mister. Diferente do uso de computador que fazemos hoje, que é feito a qualquer instante. Ocorria, às vezes, até a pessoa grafar uma palavra com erro. É muito provável que o velho Vigário de Crato, tenha se atrapalhado na data, quando foi registrar no Livro de Batistério, antecipando um dia: de 24 para 23. Coisa normalíssima. O Pe. Cícero sempre comemorou seu aniversário no dia 24 de março. Isso é sintomático".
Este é mais um mistério da vida do Padre Cícero. Por fim esclarece Daniel Walker: "Na verdade, a novidade não é saber  que Padre Cícero nasceu mesmo no dia 23 de março de 1844, mas sim mostrar a cópia fiel do documento conforme está no livro de assentamento de batismo da Paróquia da Penha do Crato. Outro detalhe: um dos sobrenomes do pai de Padre Cícero é grafado pelos historiadores de três formas: Mirabeau, Mirabô e Meraíba".  

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

A Pedra do Padre Cícero - Por Clerisvaldo B. Chagas


PEDRA DO PADRE CÍCERO. Foto: (Ailton Cruz).

Em todos os recantos nordestinos estão às marcas indeléveis do Padre Cícero Romão Batista. Em Alagoas entre manifestações ao sacerdote – falecido em 20 de julho de 1934 – estão as procissões, associações, novenários e romarias. São milhares e milhares de devotos que ainda procuram o Juazeiro do Norte em busca de curas para os seus males, baseados na fé ao amiguinho Padre Cícero. Templos, praças e devoções ganharam espaço nesta nação nordestino dos litorais aos sertões honrando à memória daquele que tanto fez pelo seu povo. Nem queremos aqui entrar em discussões e acusações estéreis como ainda hoje acontece com o próprio Jesus, o Cristo.
Entre todos os movimentos em prol do padre do Juazeiro, um deles chama atenção e encontra-se localizado no município sertanejo de Dois Riachos. Tudo teve início quando o agricultor José Antônio Lima alcançou uma graça de promessa feita ao padre Cícero, em 1956. Agradecido, aproveitou um Boulder (bloco rochoso) que havia às margens da BR-316, para erguer um oratório em homenagem àquele que concedera a sua graça. Segundo a viúva do sertanejo, Maria, o seu esposo nunca revelou qual foi a graça alcançada. Com o passar do tempo e o aumento crescente de visitas ao local, o oratório foi reformado e a escada de madeira que leva ao topo, foi substituída por uma rampa de concreto. E os padres, por não conseguirem celebrar missas no cimo da escadaria, fizeram surgir uma igreja perto da rocha.
Anualmente acontece a celebração de morte do padre Cícero, todo dia 20 de julho. Já são milhares de romeiros que chegam à festa do dia 20. Eles vêm a pé, a cavalo, em automóvel, vans e ônibus que preenchem os terrenos vizinhos como se estivessem na própria Juazeiro. Além de gente de todas as regiões alagoanas, são inúmeros os devotos de Sergipe e Pernambuco. Do centro de Dois Riachos à Pedra do Padre Cícero, não deve dar mais de 2 km.
Dois Riachos, em Alagoas, é uma cidade pequena e ficou conhecida nacionalmente por ser a terra da jogadora Marta. Possui a maior feira de gado do Nordeste; é banhada pelo riacho Dois Riachos – afluente do rio Ipanema – tem famosa vaquejada anual e mostra o gigantesco açude no povoado Pai Mané. Seu acesso é fácil estando em qualquer lugar em solo alagoano.

O AUTOR
Clerisvaldo Braga das Chagas, alagoano de Santana do Ipanema, graduado em Geografia, com pós-graduação em Geo-História. Cronista, escritor com vários livros publicados.

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

PADRE CÍCERO E FREI DAMIÃO: DUAS PESSOAS EM UMA SÓ - Por Junior Almeida


A imagem pode conter: 2 pessoas, barba

Pio Giannotti nasceu em Bolzano na Itália em 5 de novembro de 1898 se ordenado como religioso em 25 de agosto de 1923, adotando o nome de Frei Damião. No início da década de 1930 veio para o Nordeste do Brasil, onde passou a ser conhecido acrescentando no nome seu lugar de origem. Por essas terras seu nome era “Frei Damião de Bolzano”. Sua primeira celebração foi na localidade Riacho do Mel, município de Gravatá em Pernambuco. O frade da ordem dos capuchinhos viria a fazer história no Brasil, principalmente no Nordeste, onde sempre pregou para multidões, nas chamadas santas missões.

Atualmente (2016) o frei tem seu nome em processo de beatificação pelo Vaticano para ser declarado santo da Igreja Católica. Frei Damião que já tinha seu nome venerado quando ainda era vivo, e mesmo antes da declaração oficial da Igreja já é hoje considerado um santo pelos seus fiéis. O frade só não mais venerado do que outro religioso, esse legitimamente nordestino, o cearense Padre Cícero Romão Batista, nascido na cidade do Crato em 24 de março de 1844 e falecido em 20 de julho de 1934 na cidade de Juazeiro, lugar que ele fez nascer de alguns casebres de palha e que atualmente é a segunda mais importante do Ceará.

Mesmo com essa distância em seus nascimentos e mais de meio século de diferença de datas, tem gente que jura que os dois são a mesma pessoa ou que Frei Damião por ser mais novo, é a reencarnação de Padre Cícero, mesmo essa tese batendo de frente com a doutrina católica, que não reconhece preceitos da fé espírita. Não é difícil de encontrar em alguns lares nordestinos folhinhas de calendários com as imagens dos dois religiosos postas lado a lado ou calendários com a imagem do Coração de Jesus ou Coração de Maria ao centro, com os dois ao lado.

Um dos casos que se conta para que essa suposta tese ganhe força é que o “Patriarca do Juazeiro” deu a um de seus fies ajudantes um livro para que esse guardasse e só entregasse a ele próprio, a nenhum outro portador. Segundo o relato passado de geração para geração, e de conhecimento dos romeiros da “Meca Nordestina”, é que o dito homem guardou a encomenda e nem de longe pensou em desobedecer ao padrinho. O tempo passou e Padre Cícero faleceu em julho de 1934, sem que tivesse ido antes apanhar o livro na casa do homem que lhe confiou à posse. Muito zeloso o sujeito guardou aquela relíquia, que lhe fora confiada, segundo acreditava, por um santo vivo.

Algum tempo depois o homem que guardava o livro, ouviu um bater de palmas em sua porta. Foi atender e se surpreendeu ao ver que quem chamava era Frei Damião. Lisonjeado com a ilustre visita, imediatamente o dono da casa pediu benção ao frade e o convidou para entrar em sua humilde casa. Frei Damião entrou e sentou-se. Depois de pedir um copo d’água disse a que veio. Tinha vindo apanhar a encomenda que tinha deixado.

- Que encomenda, o que se referia o sacerdote, se essa seria a primeira vez que viera ao seu “rancho”? Pensava o confuso homem.

- O livro que deixei aos seus cuidados tempos atrás. Teria dito Frei Damião.

Mais confuso ainda o homem foi buscar o livro, que estava cuidadosamente guardado no fundo de um baú em seu quarto e entregou ao frade capuchinho, que afirmou ser aquele mesmo o livro que entregara aos cuidados do romeiro. Esse fato, segundo as histórias e lendas de Juazeiro, seria uma das “provas” que Padre Cícero e Frei Damião são a mesma pessoa, ou que o segundo é a reencarnação do primeiro.

O AUTOR
Euclides José de Almeida Junior (Junior Almeida), escritor nascido em Garanhuns, PE), atualmente residente em Capoeiras, PE. Graduando em História em Garanhuns.

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Padre Cícero e o acolhimento ao povo nordestino - Por José Romero Araújo Cardoso

        Personagem polêmico da História recente do Nordeste Brasileiro, Padre Cícero Romão Batista começou a angariar respeito logo após sua ordenação, quando foi designado pelos seus superiores, na década de 70 do século XIX, para ser o vigário de erma localidade perdida nos confins da chapada do Araripe cearense, conhecida por Joazeiro, antigo ponto de parada de tropeiros que iam e vinham da longínqua e desenvolvida cidade do Aracati, ponto de comercialização da produção sertaneja de outrora.
          As terras pertenciam a outro Padre de nome Pedro Ribeiro, havendo igreja dedicada a Nossa Senhora das Dores, ao redor da qual estavam erguidas cerca de setenta e duas casinhas de taipa, habitadas por gente de índole pouco recomendável. Em pouco tempo, Padre Cícero conseguiu converter bandidos, prostitutas, malandros, vigaristas e toda ordem de pessoas desvirtuadas, granjeando fama nos arredores devido às façanhas conquistadas. Quando da grande seca de 1877-1879, apiedado da situação dos sertanejos, passou a proferir sermões na igreja de Nossa Senhora das Dores com apelo para que os deserdados da terrível estiagem se dirigissem às distantes plagas do Norte, onde começava a se dinamizar a extração da borracha de seringueira para atender as exigências da nascente indústria automobilística.
          Em março de 1889, protagonizou com a beata Maria de Araújo o “milagre da hóstia”. Ao receber a comunhão, a humilde sertaneja espantou as pessoas presentes, pois esta se transformou em sangue e depois tomou o formato de coração.
          O afluxo de gente em direção ao Joazeiro, após o “milagre da hóstia”, passou a ser contínuo, cada vez mais intenso, despertando a atenção dos seus superiores em Fortaleza, os quais enviaram a primeira comissão episcopal para analisar o fenômeno. O veredicto determinou a fraude do “milagre da hóstia”, mas interesses maiores fizeram com que outra investigação fosse realizada, a qual se definiu favorável aos episódios ocorridos no Joazeiro. Chamado a Roma para se explicar, Padre Cícero desafiou a estrutura suprema da igreja católica, negando que o “milagre da hóstia” tivesse sido um embuste. Então foi definida sua suspensão das ordens sacerdotais e sua excomunhão.
          Para o povo sertanejo que esperava seu regresso nada disso importava, pois já o tinha como “Padim protetor”, aquele que era a garantia melhores dias, materiais e espirituais, verdadeiro Messias à imagem do Padre Ibiapina e do Frei Vitale.
          Padre Cícero promoveu verdadeira revolução, pois evitava que àquelas pessoas simples e humildes que chegavam diariamente ao Joazeiro engrossassem as fileiras do cangaço, fazendo-as beatos e beatos, as  quais passaram a rezar contritas e irresolutas, realizando trabalhos espirituais ao invés de estarem empunhando rifles e punhais assassinos.
          Apesar do intenso trabalho sócio-religioso que realizou, Padre Cícero contribuiu bastante para o fortalecimento da violência do mandonismo quando deu poderes ilimitados ao médico baiano Floro Bartholomeu da Costa, responsável pela inserção política do movimento do Joazeiro, antes eminentemente religioso.
          Vinculado ao Acciolismo, Padre Cícero deu carta branca para que Floro e o exército de romeiros-jagunços avançassem até Fortaleza, intuindo depor, quando da “revolução” de 1914, o governo de Franco Rabelo, cujo fato se evidenciou de forma notável.
          Apesar do acolhimento espiritual e material a sertanejos oriundos de todos os recantos, principalmente do Estado de Alagoas, Padre Cícero se firmou na história nordestina e brasileira como um dos mais discutidos personagem de todos os tempos.
* Crônica não classificada no I Concurso Homenagem ao Padre do Juazeiro, promovido pelo Parque Cultural "O Rei do Baião" e Caldeirão Político.

José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo (UFPB). Professor-Adjunto IV do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Geografai e Gestão Territorial (UFPB) e em Organização de Arquivos (UFPB). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA - UERN). Escritor. Membro da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC), do Instituto Cultural do Oeste Potiguar (ICOP) e da Associação dos Escritores Mossoroenses (ASCRIM).



quarta-feira, 12 de abril de 2017

UM PADRE COM CHEIRO DE OVELHAS: O PE.CÍCERO ROMÃO BATISTA - POR Leonardo Boff

Nos dias 20-24 de março se realizou em Juazeiro do Norte, Ceará, o V­º Simpósio Internacional Padre Cícero com o tema “Reconciliação…e agora?” Fiquei admirado pelo alto nível das exposições e das discussões com a presença de pesquisadores nacionais e estrangeiros. Tratava-se da reconciliação da Igreja com o Pe. Cícero que sofreu pesadas penas canônicas, hoje questionáveis, sem jamais se queixar, num profundo respeito às autoridades eclesiásticas e reconciliação com os milhares de romeiros que o consideram um santo.

Indiscutivelmente o Pe. Cícero Romão Batista (1844-1034), por suas múltiplas facetas, é uma figura polêmica. Mas mais e mais as críticas vão se diluindo para dar lugar àquilo que o Papa Francisco através do Secretário de Estado Card. Pietro Parolin, numa carta ao bispo local Dom Fernando Panico de 20 de outubro de 2015, expressamente diz que no contexto da nova evangelização e da opção pelas periferias existenciais a “atitude do Pe. Cícero em acolher a todos, especialmente aos pobres e sofredores, aconselhando-os e abençoando-os, constitui, sem dúvida, um sinal importante e atual”.

O Pe. Cícero corporifica o tipo de padre adequado à fé de nosso povo, especialmente nordestino. Existe o padre da instituição paróquia, classicamente centrada no padre, nos sacramentos e na transmissão da reta doutrina pela catequese. É um tipo de Igreja que se autofinaliza e com parca incidência social em termos de justiça e defesa dos direitos humanos especialmente dos pobres.

Entre nós surgiu um outro tipo de padre como o Pe. Ibiapina (1806-1883), que foi magistrado e deputado federal, tendo abandonado tudo para, como sacerdote, colocar-se a serviço dos pobres nordestinos, como o Pe. Cícero, o Frei Damião, Pe. José Comblin entre outros. Eles inauguraram um outro tipo ação religiosa junto ao povo. Não negam os sacramentos, porém, mais importante é acompanhar o povo, defender seus direitos, criar por toda parte escolas e centros de caridade (de atendimento), aconselhá-lo e reforçar sua piedade popular. Esse é o tipo de padre adequado à nossa realidade e que o povo aprecia e necessita.

Esse era também o método do Pe. Cícero que se desdobrava em três vertentes: primeiro conviver diretamente com o povo, cumprimentando e abraçando a todos; em seguida visitar todas as casas dos sítios, abençoando a todos, a criação dos animais e as plantações; por fim orientar e aconselhar o povo nas pregações e novenas; ao anoitecer reunia as pessoas diante de sua casa e distribuía bons conselhos e encaminhava para o aprendizado de todo tipo de ofícios para tornarem independentes.

Neste contexto o Pe. Cícero se antecipou ao nosso discurso ecológico com seus 10 mandamentos ambientais, válidos até os dias de hoje (“não derrube o mato nem mesmo um só pé de pau” etc.).

O Pe. Comblin, eminente teólogo, devoto do Pe. Cícero e que quis ser enterrado ao lado do Pe. Ibiapina escreveu com acerto: ”O Padre Cícero adotou amorosamente os pobres e advogou a causa dos nordestinos oprimidos, dedicando-lhes incansavelmente 62 anos de vida. E o povo pobre o reconheceu, o defendeu e o consagrou, continuando a expressar-lhe o seu devotamento, porque viu e vê nele o Pai dos Pobres. Antecipou em muitos anos as opções da Igreja na América Latina. É impossível negar a sincera opção pelos pobres, como foi dito por um deles: "Meu padrinho é padre santo/como ele outro não há/ pois tudo o que ele recebe/ tudo de esmola dá” (O Padre Cícero de Juazeiro, 2011 p.43-44).

Curiosamente, se recolhermos os muitos pronunciamentos do Papa Francisco sobre o tipo de padre que projeta e quer, veremos que o Pe. Cícero se enquadra à maravilha, ao modelo papal. Não há espaço aqui para trazer a farte documentação que se encontra no meu blog (www.leonardoboff. wordpress.com) que recolhe minha intervenção em Juazeiro: “O Padre Cícero à luz do Papa Francisco”.

Repetidas vezes enfatiza o Papa Francisco que o padre “deve ter cheiro de ovelha”, quer dizer, alguém que está no meio de seu “rebanho” e caminha com ele. Cito apenas dois textos emblemáticos, um proferido ao episcopado italiano no dia 16 de maio de 2016 onde diz: ”O padre não pode ser burocrático mas alguém que é capaz de sair de si mesmo, caminhando com o coração e o ritmo dos pobres”. O outro aos bispos recém sagrados no dia 18 de setembro de 2016: "o pastor deve ser capaz de escutar e de encantar e atrair as pessoas pelo amor e pela ternura”.

Estas e outras qualidades foram vividas profundamente pelo Pe. Cícero, tido como o Grande Patriarca do Nordeste, o Padrinho Universal, o Intercessor junto a Deus em todos os problemas da vida, o Santo cuja intercessão nunca falha. Os romeiros e devotos sabem disso. E nós secundamos esta convicção.
(Articulista do JB on line . Escreveu A nova evangelização: a perspectiva dos pobres, Vozes 1991)

terça-feira, 4 de abril de 2017

Bispo da Diocese de Crato, Dom Gilberto Pastana, recebe a Carta do Simpósio de Padre Cícero

     Após as conferências, palestras, debates e mesas redondas, o V Simpósio Internacional sobre o Padre Cícero: "Reconciliação... e agora?" resultou numa carta que foi entregue nesta segunda-feira ao Bispo Diocesano de Crato, Dom Gilberto Pastana. O documento é assinado por todos os participantes do evento e foi levado à Cúria Diocesana de Crato pelas professoras da Universidade Regional do Cariri (Urca), Fátima Pinho, Renata Paz Marinho e Paula Cordeiro, que coordenaram o simpósio.

      Estiveram presentes ainda os padres Zé Vicente e Rocildo Alves Lima Filho e a carta sugere a sequência dos estudos em torno da vida e da obra missionária do Padre Cícero, bem como os fenômenos ocorridos em Juazeiro. Eis a íntegra do documento entregue ontem ao Bispo Diocesano, dom Gilberto Pastana:

       Diante da reconciliação histórica decretada pela Congregação para a Doutrina da Fé, datada de 27 de outubro de 2014, e da carta do Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado, datada de 20 de outubro de 2015, na qual é incentivada a atenção pastoral ao fenômeno religioso das romarias em Juazeiro do Norte, e que, além disso, a mesma carta diz que "pela distância do tempo e complexidade do material disponível elas (as questões históricas, canônicas ou éticas do passado) continuam a ser objetos de estudo e análise, com interpretações as mais variadas e diversificadas" e,
- Considerando os debates realizados neste Simpósio sobre a pertinência de dar continuidade ao processo do Padre Cícero Romão Batista na Santa Sé;
- Considerando a realidade que nos apontam os romeiros e romeiras, qual seja a de que Padre Cícero é santo;
- Considerando que os relatos de milagres por intercessão do Padre Cícero são muitos;
- Considerando que todo processo canônico do Padre Cícero deu-se inicialmente por um único motivo: o sangramento da hóstia consagrada na boca da Beata Maria de Araújo;
- Considerando a importância de esclarecimentos definitivos, a nível diocesano, sobre esse fenômeno, nós abaixo assinados, participantes do V Simpósio Internacional sobre o Padre Cícero: "Reconciliação... e agora", sugerimos e solicitamos, a seu critério, a nomeação de uma comissão que tenha duas tarefas:
- A primeira para a continuidade do estudo da vida e da obra missionária do Padre Cícero Romão Batista a fim de compreender, sistematizar e relatar a devoção atual dos romeiros e, também, para conhecer, averiguar e analisar possíveis milagres operados em nome do Padre Cícero, em vista de um primeiro passo em direção a um processo de reconhecimento de suas virtudes heróicas.
- A segunda para estudar, histórica e religiosamente, o fenômeno, e apenas o fenômeno do derramamento de sangue ocorrido com a Beata Maria de Araújo.


terça-feira, 28 de março de 2017

Teólogo Leonardo Boff diz acreditar numa breve beatificação de Padre Cícero

Para o escritor e teólogo Leonardo Boff, após a beatificação de Dom Óscar Romero de San Salvador, ocorrida há 2 anos, vira a do Padre Cícero Romão Batista. Ele foi o último conferencista do V Simpósio Internacional sobre o Padre Cícero: "Reconciliação... e agora?" quando terminou aplaudido de pé por uma platéia que lotou o Memorial na tarde desta sexta-feira. Ele pediu viva para o sacerdote e disse que o mesmo será santo da Igreja universal e não apenas do sertão do Ceará. 
       Na sua Conferência sob o tema: "Padre Cícero à luz do Papa Francisco", Boff considerou a reconciliação algo muito forte e que expressa a vontade do Papa salientando que todos podem alimentar a esperança de vê-lo beatificado e canonizado “o que não será novidade para o Padre Cícero que já é santo”. Em sua fala, constitui etapas na vida do sacerdote que passam pelo sonho que teve, a vinda em definitivo para Juazeiro, os conflitos enfrentados com o sangramento da hóstia e o padre político. 
      Ganhando novamente muitos aplausos, o teólogo Leonardo Boff admoestou que “não é apenas canonizar o Padre Cícero, mas fazer justiça às mulheres beatificando e santificando Maria de Araújo que é santa e faz milagres”. Para o conferencista, o Bispo do Ceará dom Joaquim Vieira foi “duro” com Padre Cícero como “duro” foi o julgamento do sacerdote que até chegou a ser excomungado fato jamais publicado. Boff historiou que ele tinha uma convivência direta com o povo, visitando casas e sítios e dando orientações e conselhos. 

      Com o fechamento das portas pela Igreja – acrescentou o conferencista – Padre Cícero trilhou no caminho da política para não perder de vista a sua opção pelos pobres. Nesse contexto, Leonardo Boff argumentou sobre sua atuação em prol do bem comum com foco na educação e geração de emprego e renda. Elogiou ainda a visão ambientalista do sacerdote quando citou os seus preceitos ecológicos. Na sessão de encerramento do simpósio falaram o Secretário de Cultura de Juazeiro, Alemberg Quindins, em nome do prefeito Arnon Bezerra; a presidente da comissão organizadora, Fátima Pinho; e o reitor em exercício da Universidade Regional do Cariri, Francisco do O de Lima Júnior.

Filósofo opina porque o milagre da hóstia em Juazeiro não poderia ser reconhecido
Na última manhã de debates no V Simpósio Internacional sobre o Padre Cícero: "Reconciliação... e agora?", que acontece desde segunda-feira, o filósofo e professor da Universidade Regional do Cariri (Urca), Carlos Alberto Tolovi, disse porque o milagre da hóstia não foi reconhecido. Segundo ele, por estar fora e distante das estruturas de controle hierárquicos, pelo fato de ter surgido junto aos chamados leigos e mais ainda em virtude do corpo do fenômeno não se enquadrar nas feições europeias dos grandes santos. 

Como acrescentou, fugia de todos os limites pré-estabelecidos observando que outros milagres eucarísticos foram reconhecidos pela Igreja e este não. A Mesa Redonda teve como tema: "Padre Cícero e a Política” e reuniu ainda outra professora da Urca e coordenadora do evento, Fátima Pinho, e o professor da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (SP), Renato Kirchner. Na opinião de Tolovi, Padre Cícero aceitou o milagre para estar ao lado dos romeiros e fortalecer a religiosidade popular. 

Nesse contexto, observou que os peregrinos já defendiam o sacerdote por entenderem ser a defesa do seu próprio espaço sagrado para onde vinham com bastante sofrimento e, em Juazeiro, encontravam um “Padim” que os acolhiam. De acordo com Tolovi, o Caldeirão do Beato José Lourenço foi destruído e se a história da transformação da hóstia em sangue ficasse apenas em torno da beata Maria de Araújo, o caminho seria o mesmo. Além disso, tentaram destruir o Juazeiro e o padre foi obrigado a assumir posturas. 

No entendimento da professora Fátima Pinho, Padre Cícero foi um mediador de conflitos na própria região e até fora do Cariri. Conforme acrescentou, era uma característica forte quando até foi político e fez política, mas com convicção no que acreditava e achava correto. Pela primeira vez em Juazeiro, o professor paulista Renato Kirchner se apresentou como um homem que peregrinou muito pelo sertão. Tentando contextualizar Juazeiro e o Padre Cícero ele recorreu ao escritor Guimarães Rosa que disse: “O mundo é mágico. As pessoas não morrem. Ficam encantadas”. 

Em meio aos debates, Pedro Carneiro de Araújo da Arquidiocese de Fortaleza recorreu ao livro de Amália Xavier para lembrar que Padre Cícero se sujeitou aos Decretos do Santo Ofício e foi absolvido em Roma quando uma carta enviada ao então Bispo do Ceará, Dom Joaquim Vieira, pedia para não considerá-lo contumaz. Todavia, o apelo do Vaticano foi desconsiderado e tudo continuou como antes. No final da manhã desta sexta-feira houve mais um Testemunho à “Sombra do Pé de Juá” com Dona Rosinha do Horto.


Para o antropólogo Carlos Steil, a reconciliação de Padre nem começa e nem termina num documento da Igreja
      O conferencista da noite desta quinta-feira no V Simpósio Internacional sobre o Padre Cícero: "Reconciliação... e agora?" foi o professor e antropólogo Carlos Alberto Steil da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ele falou sobre "Caminhos da Reconciliação no Juazeiro do Padre Cícero para uma platéia que teve dentre os presentes o teólogo Leonardo Boff, que será o conferencista das 15 horas desta sexta-feira sobre o tema: "Padre Cícero à luz do Papa Francisco".

      Para Carlos Steil, a reconciliação nem começa e nem termina num documento expedido por meio de uma autoridade da Igreja, mas envolve muitos do passado e a todos nós já que não dá para pensar na questão colocando-se do lado de fora. Ele considerou que o caminho foi aberto e não poderá se fechar após definir o Padre Cícero como o santo mais popular do país. Segundo declarou, o sacerdote não se deixou seduzir pelo projeto de modernização e romanização imposto pelo clero reformador.

      O conferencista disse mais que Padre Cícero não se envergonhou do primitivismo e procurou se inserir na cultura do povo pobre cuidando e amando a todos sem jamais trair sua consciência após escolher Juazeiro para sua missão. Mesmo assim, Carlos Steil observou que a reconciliação impulsiona a ação de Padre Cícero no seio da Igreja como sacerdote que foi na defesa de um projeto que incluiu os pobres na modernidade indo de encontro às elites.

      Em meio aos debates, a Irmã Annette Dumoulin lembrou que, durante 19 anos de vida sacerdotal, Padre Cícero gozou da estima dos dois primeiros bispos do Ceará no caso Dom Luiz e Dom Joaquim Vieira por conta do modelo de evangelização. Depois, passou a ser mal visto e até condenado. Antes de encerrar sua conferência, Carlos Steil revelou que quando está em Juazeiro é contaminado pela paixão e observou que as coisas acontecem com bastante velocidade por aqui.

Romarias de Bom Jesus da Lapa e de Juazeiro e a experiência do Caldeirão no Simpósio de Padre Cícero
      A professora Maria Lucia Alves, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, estabeleceu um contraponto entre as romarias em Bom Jesus da Lapa (BA) e Juazeiro do Norte na manhã desta quinta-feira no V Simpósio Internacional sobre o Padre Cícero: "Reconciliação... e agora?". Pela primeira vez em Juazeiro, ela disse que conhecia apenas pela literatura e reportagens e confessou sua emoção dizendo ser preciso conhecer de perto o lugar para perceber o misticismo.

       Nascida em Bom Jesus, lembrou que as peregrinações ali tiveram o dedo do Monge Francisco e, em Juazeiro, de Padre Cícero. Sua pesquisa de mestrado baseou-se no catolicismo oficial e popular, enquanto a de doutorado teve como foco o pluralismo religioso. Sobre Juazeiro, considerou o tema “reconciliação” controverso e polêmico e, mais à frente, observou que “se não fosse a beata, não teria o milagre”. Na terra de Padre Cícero viu que os lugares sagrados são distintos e distantes.

       Quanto a Bom Jesus, comparou tratar-se de um circuito com 15 grutas em torno de um santuário e onde uma catedral está sendo construída. Entretanto, nesses dois contextos observou que os “santos” locais dividem espaços com os santos romanizados. O Tema central da Mesa Redonda foi: "Apropriações e usos: Cultura, ecologia e economia" e teve como expositor o professor Edin Sued Abumanssur, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

       Após afirmar que, para alguns no Brasil, romaria é turismo de pobre, ele traçou comparativos entre tipos de peregrinações classificando as de Juazeiro como de destino final e local de força montado na razão maior da visita “não importando como chegar e sim chegar”. O outro seria mais pontuado na maneira como se chega sendo a razão da peregrinação sem observar uma importância maior para o lugar, passando apenas na porta do santuário e indo para as baladas.

      Membro da Pastoral da Terra da Diocese de Crato, o padre Vilecy Basilio Vidal fez referências às romarias ao Caldeirão do Beato José Lourenço em Crato após considerar que o tipo de visão religiosa do Padre Ibiapina influenciou o Padre Cícero. Nesse aspecto, lembrou os conselhos do sacerdote caririense no sentido de tornar cada sala um oratório e cada quintal uma oficina. Ou seja, oração e trabalho a exemplo do que ocorria na comunidade do Caldeirão.

      De acordo com o padre Vilecy, o sítio chegou a reunir cerca de 400 famílias e algo em torno de duas mil pessoas dentro de um modelo de desenvolvimento sustentável com forte apelo religioso, fartura, alegria e exemplo ecológico para o Nordeste. Na reta final da manhã houve mais um Testemunho à “Sombra do Pé de Juá” com Mestres da Cultura Popular. No início da tarde, os Minicursos: Arquivos e pesquisas sobre o Padre Cícero: uma "cronogenealogia" para o grande acervo com Renato Casimiro e “Um olhar em preto & branco sob a luz de Juazeiro” com Nívea Uchoa.


Professora norte americana palestra sobre a idéia do romeiro em torno do contexto da reabilitação de Padre Cícero
A conferencista da tarde desta quarta-feira no V Simpósio Internacional sobre o Padre Cícero: "Reconciliação... e agora?", foi a professora Candace Slater da Universidade de Berkeley (USA). Ela costuma fazer levantamentos minuciosos sobre as expressões dos romeiros que visitam Juazeiro do Norte e, ultimamente, tem procurado ouvir respostas dos peregrinos sobre esse novo contexto que foi o tema central de sua fala. Como sintetizou, no final das contas o que importa para eles é a sua relação de bem estar com o “Padim”.

     A pesquisadora tratou de reproduzir um pouco sobre o sentimento dos romeiros nessa convivência religiosa dentro dos novos fatos. A crença forte que Padre Cícero é um santo, não se separa dos peregrinos como voltou a atestar e o professor e historiador, Renato Casimiro, acrescentou que o povo já canonizou o sacerdote. Enquanto isso, a Irmã Annette Dumoulin observou quanto ao receio externado pelos fiéis de que a Igreja se aproprie e lhe tome o seu santo.

       Para o bispo emérito da Diocese de Crato e presidente de honra do evento, dom Fernando Panico, Padre Cícero já está dentro do templo vivo que é o coração do romeiro. Ele elogiou a exposição feita pela professora Candace Slater sobre o tema da reconciliação e acrescentou que “Padre Cícero é uma maravilha de Deus nas nossas vidas”. Para Dom Fernando, chegará um dia em que a misericórdia fará justiça. Ao término da conferência, aconteceu a performance musical "Afilhados do Padrinho" e Show do Poeta Zé Viola.

       Na noite desta quarta-feira, houve uma sessão solene da Câmara para a outorga de títulos de cidadania ao bispo da Diocese de Crato, dom Gilberto Pastana e oito sacerdotes. Já na Mesa Redonda das 08h30min desta quinta-feira estará o professor Edin Sued Abumanssur, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o qual falará sobre: "Apropriações e usos: Cultura, ecologia e economia". No final da manhã, mais um testemunho à “Sombra do Pé de Juá” com Mestres da Cultura.

Arcebispo de Maceió aponta semelhanças entre os princípios de Padre Ibiapina e Padre Cícero
    Para o Arcebispo de Maceió (AL), dom Antonio Muniz Fernandes, Padre Cícero não está desligado do princípio apostólico do Padre Ibiapina e suas vidas se cruzam. A afirmação foi feita na manhã desta quarta-feira durante a Mesa Redonda: "Romeiras e Romeiros: Juventude e Gênero" no V Simpósio Internacional sobre o Padre Cícero: "Reconciliação... e agora?", que acontece em Juazeiro. Os debatedores foram os professores Sávio Cordeiro e Adriana Simião da Silva (URCA) e Maria das Graças de Oliveira Costa Ribeiro (IFCE).

     Não obstante ter sido um grande nomes do clero nacional, Dom Muniz observou que Ibiapina foi esquecido ao passo que a nação romeira jamais esqueceu o padre caririense. Conforme o Arcebispo, ele foi afastado da cena e renasceu pela devoção e admiração de estados próximos quando o Ceará foi junto. Dom Muniz defendeu ainda um resgate das figuras superioras da Casa de Caridade que, como disse, o Padre Cícero escolhia de forma exemplar.

       Na sua fala, a professora Maria das Graças discorreu sobre as cartas que chegam para o Padre Cícero em Juazeiro enviadas por pessoas de vários lugares do pais que não puderam vir. Os conteúdos são de desabafos, pedidos por meio da intercessão do sacerdote junto aos santos e agradecimentos chamando a atenção para um grande número de correspondências de jovens. São desde apelos para se livrar da feiúra ou aprovações em concursos, quanto ligadas a relacionamentos até homoafetivos ou de políticos que almejam vencer eleições.

     Já o professor Sávio Cordeiro opinou que a romaria tem muito de sacrifícios pessoais e, na sua exposição, considerou o avanço dos evangélicos como “agressivo, inescrupuloso e mercantil”. Antes, a professora Adriana Simeão tratou sobre a pesquisa em torno das experiências sócio religiosas das mulheres que vem ao Juazeiro a qual transformou no livro: “Vidas e Romarias”. Ela confessou encantamento com o caldeirão das manifestações dentro de práticas de um catolicismo popular que remonta ao tempo de Padre Cícero.

Peregrinações pelo mundo motivaram debate sobre romarias e turismo religioso no Simpósio de Padre Cícero
     Pela primeira vez no Brasil, que ouvia falar apenas por conta do futebol e do carnaval, o Antropólogo John Eade da Universidade de Roehampton em Londres foi o conferencista da noite desta terça-feira no V Simpósio Internacional sobre o Padre Cícero: "Reconciliação... e agora?". O evento é promovido pela Universidade Regional do Cariri (Urca) e ele falou sobre o tema: “Novos caminhos em estudos de peregrinação: desenvolvendo uma abordagem global”

     Como disse, a Igreja quer promover peregrinações mesmo reunindo grupos de pessoas de diversas crenças fazendo menções a locais de devoção como, por exemplo, o Santuário de Nossa Senhora de Lourdes na França e os caminhos de Santiago de Compostela no noroeste da Espanha. De acordo com John Eade, muito promovidos pelo conselho europeu e apresentando uma diversidade de peregrinação onde o que interessa é a energia do caminho.

      Para o conferencista, são vários os motivos e interpretações na jornada desde suas residências aos locais de devoção. Ele já escreveu um livro sobre peregrinações na Europa e observou a necessidade de todas serem bem vistas no Cristianismo que está mudando no contexto mundial. A palestra do Antropólogo causou uma provocação do bispo emérito da Diocese de Crato e presidente de honra do simpósio, dom Fernando Panico. Para ele, o desafio dos próximos eventos é procurar distinguir sobre romarias e turismo religioso.

      O mesmo confessou que se questiona muito quando vê a realidade no Nordeste com muita gente pobre nos caminhos até com penitencia corporal enfrentando viagens longas e desconfortáveis, porém sempre com alegria: rezando e cantando nas estradas. Ele disse que esteve em Brasília para tentar compreender melhor esse contexto, mas percebeu que o Ministério do Turismo não detém interesse por romarias e sim o turismo que pressupõe o capital.

      Nessa vertente, John Eade destacou os diferentes tipos de peregrinações e até questionou se uma local poderia se tornar global. Já o Antropólogo Carlos Steil, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, observou que as peregrinações tem um efeito transversal e se faz presente nas romarias tradicionais como em Juazeiro diante de características comuns. O conferencista historiou sobre a origem das peregrinações em que os teólogos eram hostis e questionavam se a pessoa não poderia fazer tudo no seu local de origem.

       Para esta quarta-feira, dia 22, o palestrante da Mesa Redonda das 08h30min, no Memorial Padre Cícero, será o Arcebispo de Maceió (AL), dom Antonio Muniz Fernandes que falará sobre "Romeiras e Romeiros: Juventude e Gênero". Já às 16 horas a conferência será da professora Candace Slater, da Universidade de Berkeley (USA), a qual falará sobre: "Algumas respostas dos romeiros à reconciliação". No período da noite haverá a cerimônia de entrega de títulos de cidadão juazeirense ao Bispo Dom Gilberto Pastana e mais oito sacerdotes.
Assessoria de Imprensa do Simpósio





quinta-feira, 21 de julho de 2016

Padre Cícero e o Pacto dos Coronéis - Daniel Walker

Introdução
No dia 4 de outubro de 1911,  o recém-criado município de Juazeiro, Ceará,  foi sede de dois grandes eventos políticos: a posse de Padre Cícero Romão Baptista no cargo de intendente (atualmente se diz prefeito) e a realização de uma assembleia ou sessão política para assinatura de um controvertido documento que passou à história com o nome de Pacto dos Coronéis. O referido documento também foi chamado de Pacto de paz, Pacto de harmonia política, Aliança política, Conferência política, Pacto de Haya-mirim e ainda Artigos de fé política.

Quando se fala no nome do Padre Cícero, a figura que realça em primeiro lugar é a de santo dos nordestinos, pois é como tal que ele é mais conhecido. Entretanto, existe em sua biografia um forte peso como figura política, embora isto seja mais conhecido e estudado apenas pelos seus pesquisadores. Aqueles que se consideram seus devotos, pouca ou nenhuma importância dão ao fato, porquanto para eles o que importa mesmo é o homem santo capaz de fazer milagres, o protetor nas horas das aflições. E foi assim que ele conseguiu uma grande legião de devotos. Como político fez muitos desafetos.

Mas de uns tempos para cá, sua vida política começou a ser dissecada pelos cientistas sociais e a partir da publicação dos primeiros textos, uma nova legião de admiradores surgiu. 

Assim, a dicotomia envolvendo o santo e o político passou a ter terreno próprio e essas duas vertentes, indissolúveis e complementares, coexistem a despeito dos pareceres positivos de uns e negativos de outros.

Como signatário do Pacto dos Coronéis, Padre Cícero consolidou sua vida política, transformando-se na maior liderança do interior cearense. Porém, se por um lado isto lhe deu uma indiscutível força de mando, por outro lado arranhou profundamente sua  biografia perante a sua igreja, que já o tinha na conta de embusteiro e doravante passou a tê-lo também como um coronel, certamente uma nódoa na sua apregoada santidade. 

Por isso, é muito importante estudar essa particularidade da sua vida a qual já rendeu farta bibliografia e não para de crescer. Neste contexto, o objetivo principal deste trabalho é fazer uma análise das implicações decorrentes da assinatura do Padre Cícero no Pacto dos Coronéis, conforme as opiniões emitidas por escritores que estudaram o assunto em seus mais variados aspectos. 

Para melhor compreensão do tema é feita inicialmente a transcrição da ata do histórico evento e a partir daí tem início a análise que define a importância do Pacto dos Coronéis na história política do Padre Cícero. No final é apresentada uma galeria com fotos de alguns dos coronéis que tiveram ligação com o famigerado evento. 
                                                                                                                          
O que é coronelismo
Até o final do século XIX, esteve em vigor no Brasil,  um sistema conhecido popularmente por coronelismo, cuja política era controlada e liderada pelos ricos fazendeiros então denominados de coronéis.  

No interior cearense, mais particularmente no Cariri, o coronelismo se caracterizava pela prática abusiva de duas irregularidades: o voto de cabresto e a fraude eleitoral. 

Na Velha República, o sistema eleitoral vigente era bastante vulnerável à manipulação. Por isso, os coronéis poderosos compravam votos para seus candidatos ou então os permutavam por bens materiais. Como o voto era aberto (não havia ainda o sistema de urnas), os eleitores se sentiam coagidos e para evitar represálias não havia outro jeito senão votar no candidato indicado pelos coronéis. As regiões sobre as quais os coronéis exerciam poder de mando político ficaram conhecidas como “currais eleitorais”. 

Entre as fraudes eleitorais praticadas pelos coronéis caririenses estavam o costume de alterar votos, sumir com urnas e o uso abusivo do chamado voto fantasma, o qual consistia em falsificar documentos para que eleitores pudessem votar várias vezes em prol de determinado candidato. Era comum inclusive o voto de pessoas mortas. 
Fim do coronelismo
O coronelismo em seu formato original começou a ser extinto com a chegada de Getúlio Vargas ao poder, como resultado da Revolução de 1930. Em algumas regiões do Brasil desapareceu completamente, mas em outras  o coronelismo  continuou mais algum tempo, embora com menos intensidade e adaptado a uma nova realidade. A compra de votos continua até hoje. Mas os atuais chefes políticos, mesmo sendo grandes latifundiários, não são mais chamados de coronéis.

Padre Cícero pode ser chamado de coronel?
Por ser dono de várias propriedades rurais (embora tenha deixado tudo para a Igreja) e poder para decidir uma eleição, Padre Cícero é considerado por muitos escritores como tendo sido um coronel. Mas a pecha de coronel, no sentido como o termo é usado e entendido no Nordeste, não se coaduna com o comportamento e a personalidade do Padre Cícero. Ninguém conhece registro da existência de armas em sua residência ou de capangas a sua disposição, coisas muito comuns aos coronéis de que fala a literatura.

Entretanto, até hoje, não existe consenso com respeito a Padre Cícero ser ou não considerado como um coronel. As opiniões emitidas pelos estudiosos são muito variadas e dicotômicas. 

Vejamos algumas:
Maria de Lourdes M. Janotti, escritora: "Padre Cícero foi o mais célebre de todos os coronéis". 

José Fábio Barbosa da Silva, professor e escritor: "Padre Cícero também era o coronel dono de imensa força política que passou a representar os romeiros, quando Juazeiro se tornou independente. O Padre Cícero também possuía o status mais elevado, mais alto que o dos coronéis tradicionais". 
Moisés Duarte, evangélico:  “Padre Cícero era amigo do peito de vários latifundiários da região, conhecidos como "os coronéis". Esses senhores ilustres eram opressores dos pobres, marginalizavam os sertanejos, excluindo-os do direito à saúde, aos alimentos e até à vida. Pasme, o Padim Ciço pertencia a essa espécie de liga de coronéis do Ceará e a defendia”.

Rui Facó, jornalista: "Por que o Padre Cícero desfrutando de enorme popularidade, dispondo de tudo quanto fazia de alguém um coronel, por que não seria ele um coronel? Apenas porque vestia batina, ordenara-se padre, fazia milagres? Na verdade, nada diferenciava o Padre Cícero Romão Batista de qualquer dos latifundiários da zona. Utilizou, e em grande escala, os mesmos métodos familiares àqueles, como dar abrigo a capangas e cangaceiros e aproveitá-los ou permitir que outrem os aproveitassem para a consecução de objetivos políticos que também eram os seus". 

José Boaventura de Sousa, historiador e professor: "Padre Cícero foi um coronel, mas um coronel diferente da conotação que a sociologia aponta. Não foi um coronel explorador, foi um coronel porque todos o procuravam como um líder". 

Francisco Régis Lopes Ramos, historiador e escritor: "Padre Cícero alia-se aos coronéis, mas não se torna um deles. Suas atitudes são de apadrinhamento, de um protetor dos desclassificados, de um conselheiro e não de um político ou coronel". 

Neri Feitosa, sacerdote e escritor: "Ele não tinha patente militar nem da Guarda Nacional. Ninguém o chamou oralmente de coronel. Por escrito, deram-lhe este epíteto por hipérbole e por analogia". 

Marcelo Camurça, historiador:  “No meu modo de ver o Padre Cícero se relacionou com as oligarquias, transitou na sociedade política, se compôs com os setores dominantes, tanto pela sua condição de sacerdote letrado, um intelectual tradicional, e esta condição o estimulava qual outros padres no Império e na República a ter uma projeção social, quanto pela vontade de ajudar o seu povo, de levar adiante o seu projeto de manter de pé a comunidade do Juazeiro, pela via da conciliação tão marcante na sua visão de mundo. Porém, o Padre Cícero nunca abriu mão de sua identidade sacra, do seu papel de guia religioso, de líder espiritual, para se tornar um político profissional, tampouco abriu mão da mística do "milagre" e de sua visão messiânica, simbólica do catolicismo popular, daquele primeiro sonho que teve quando Cristo encarregou-o de cuidar do Juazeiro e de seu povo. Este sem dúvida não é o perfil de um "Coronel" latifundiário ou de um político das classes dominantes”. 

Ata do Pacto dos Coronéis
“Aos quatro dias do mês de outubro do ano de mil novecentos e onze, nesta vila de Juazeiro do Padre Cícero, município do mesmo nome, Estado do Ceará, no paço da Câmara Municipal, compareceram à uma hora da tarde os seguintes chefes políticos: coronel Antônio Joaquim de Santana, chefe do município de Missão Velha; coronel Antônio Luís Alves Pequeno, chefe do município do Crato; reverendo Padre Cícero Romão Batista, chefe do município do Juazeiro; coronel Pedro Silvino de Alencar, chefe do município de Araripe; coronel Romão Pereira Filgueiras Sampaio, chefe do município de Jardim; coronel Roque Pereira de Alencar, chefe do município de Santana do Cariri; coronel Antônio Mendes Bezerra, chefe do município de Assaré; coronel Antônio Correia Lima, chefe do município de Várzea Alegre; coronel Raimundo Bento de Sousa Baleco, chefe do município de Campos Sales; reverendo padre Augusto Barbosa de Menezes, chefe do município de S. Pedro do Cariri; coronel Cândido Ribeiro Campos, chefe do município de Aurora; coronel Domingos Leite Furtado, chefe do município de Milagres, representado pelos ilustres cidadãos, coronel Manuel Furtado de Figueiredo e major José Inácio de Sousa; coronel Raimundo Cardoso dos Santos, chefe do município de Porteiras, representado pelo reverendo Padre Cícero Romão Batista; coronel Gustavo Augusto de Lima, chefe do município de Lavras da Mangabeira, representado por seu filho João Augusto de Lima; coronel João Raimundo de Macedo, chefe do município de Barbalha, representado por seu filho major José Raimundo de Macedo e pelo juiz de direito daquela comarca, doutor Arnulfo Lins e Silva; coronel Joaquim Fernandes de Oliveira, chefe do município de Quixará, representado pelo ilustre cidadão major José Alves Pimentel; e o coronel  Inácio de Lucena, chefe do município de Brejo Santo, representado pelo coronel Antônio Joaquim de Santana. A convite deste que, assumindo a presidência da magna sessão, logo deixou, ocupando-a o reverendo Padre Cícero Romão Batista para em seu nome declarar o motivo que aqui os reunia. Ocupada a presidência pelo reverendo Padre Cícero, fora chamado o major Pedro da Costa Nogueira, tabelião e escrivão da cidade de Milagres, que também se achava presente. Declarou o presidente que aceitando a honrosa incumbência confiada pelo seu prezado e prestigioso amigo coronel Antônio Joaquim de Santana, chefe de Missão Velha e traduzindo os sentimentos altamente patrióticos do egrégio chefe político, Excelentíssimo Senhor Doutor Antônio Pinto Nogueira Accioly, que sentia d´alma as discórdias existentes entre alguns chefes políticos desta zona, propunha que, para desaparecer por completo esta hostilidade pessoal, se estabelecesse definitivamente uma solidariedade política entre todos, a bem da organização do partido os adversários se reconciliassem, e ao mesmo tempo lavrassem todos um pacto de harmonia política. Disse mais que para que ficasse gravado este grande feito na consciência de todos e de cada um de per si, apresentava e submetia à discussão e aprovação subseqüente os seguintes artigos de fé política:
Art. 1º - Nenhum chefe político protegerá criminoso do seu município nem dará apoio nem guarida aos dos municípios vizinhos, devendo ao contrário, ajudar a captura destes, de acordo com a moral e o direito.
Art. 2º - Nenhum chefe procurará depor outro chefe, seja qual for a hipótese.
Art. 3º - Havendo em qualquer dos municípios reações, ou mesmo, tentativas contra o chefe oficialmente reconhecido com o fim de depô-lo, ou de desprestigiá-lo, nenhum dos chefes dos outros municípios intervirá nem consentirá que os seus municípios intervenham ajudando direta ou indiretamente os autores da reação.
Art. 4º - Em casos tais só poderá intervir por ordem do governo para manter o chefe e nunca para depor.
Art. 5º - Toda e qualquer contrariedade ou desinteligência entre os chefes presentes será resolvida amigavelmente por um acordo, mas nunca por um acordo de tal ordem, cujo resultado seja deposição, a perda de autoridade ou de autonomia de um deles.
Art. 6º - E nessa hipótese, quando não puderem resolver pelo fato de igualdade de votos de duas opiniões, ouvir-se-á o governo, cuja ordem e decisão será respeitada e restritamente obedecida.
Art. 7º - Cada chefe, a bem da ordem e da moral política, terminará por completo a proteção a cangaceiros, não podendo protegê-los e nem consentir que os seus munícipes, seja sob que pretexto for, os protejam dando-lhes guarida e apoio.
Art. 8º - Manterão todos os chefes políticos aqui presentes inquebrantável solidariedade não só pessoal  como política, de modo que haja harmonia de vistas entre todos, sendo em qualquer emergência “um por todos e todos por um”, salvo em caso de desvio da disciplina partidária, quando algum dos chefes entenda de colocar-se contra a opinião do chefe do partido, o Excelentíssimo Doutor Antônio Pinto Nogueira Accioly: Nessa última hipótese cumpre ouvirem e cumprirem as ordens do governo e secundarem-no nos seus esforços para manter intacta a disciplina partidária.
Art. 9º - Manterão todos os chefes incondicional solidariedade com o Excelentíssimo Doutor Antônio Pinto Nogueira Accioly, nosso honrado chefe, e como políticos disciplinados obedecerão incondicionalmente suas ordens e determinações.
Submetidos a votos, foram todos os referidos artigos aprovados, propondo unanimemente todos que ficassem logo em vigor desde essa ocasião.
Depois de aprovados, o Padre Cícero levantando-se declarou que sendo de alto alcance o pacto estabelecido, propunha que fosse lavrado no Livro de Atas desta municipalidade todo o ocorrido, para por todos os chefes ser assinado, e que se extraísse uma cópia da referida ata para ser registrada nos Livros das municipalidades vizinhas, bem como para ser remetida ao doutor presidente do Estado, que deverá ficar ciente de todas as resoluções tomadas, o que foi feito por aprovação de todos e por todos assinado.
Eu, Pedro da Costa Nogueira, secretário, a escrevi.
Assinam: 
Padre Cícero Romão Batista
Antônio Luís Alves Pequeno
Antônio Joaquim de Santana
Pedro Silvino de Alencar
Romão Pereira Filgueiras Sampaio
Roque Pereira de Alencar
Antônio Mendes Bezerra
Antônio Correia Lima
Raimundo Bento de Sousa Baleco
Padre Augusto Barbosa de Menezes
Cândido Ribeiro Campos
Manoel Furtado de Figueiredo
José Inácio de Sousa
João Augusto de Lima
Arnulfo Lins e Silva
José Raimundo de Macedo
José Alves Pimentel

Comentários
- “O receio era o de que a reunião acabasse em tiro. Nunca se viram – nem jamais se voltaria a ver – tantos coronéis sertanejos assim reunidos em um mesmo lugar, como naquele 4 de outubro de 1911, em Juazeiro, o dia da posse do Padre Cícero na prefeitura. Lá fora, as ruas estavam enfeitadas de bandeirinhas de papel e a banda do mestre Pelúsio de Macedo fazia a festa. No interior da casa que sediou a solenidade oficial, os dezesseis homens vestidos em roupa de domingo foram recebidos com chuvas de flores e papel picado. Mas não escondiam de ninguém, que ruminavam uma coleção de rancores mútuos. Praticamente todos os chefes políticos do Cariri – incluindo o coronel Antônio Luís – haviam acatado o chamado do sacerdote para tão insólito conclave que marcaria seu primeiro dia como prefeito. Quando Padre Cícero levantou da mesa ao final daquela histórica reunião e passou a colher a assinatura de todos, os coronéis do Cariri já  tinham tomado consciência de que, diante da nova situação, precisavam eleger um chefe imediato entre eles. Esse chefe não seria, necessariamente, Accioly. Carecia ser alguém que estivesse mais perto deles e que, a despeito das diferenças e dos ódios pessoais que os separavam, fosse um homem cuja palavra seria acatada sem ressalvas. Os coronéis precisavam de um líder político no Cariri. Naquela tarde, esse líder se revelara naturalmente – e já tinha um nome. O nome dele, ninguém se atreveria a discordar, era Padre Cícero”. Assim, Lira Neto descreveu em seu livro Padre Cícero, poder, fé e guerra no sertão a reunião em que foi assinado o Pacto dos Coronéis.

- Durante muito tempo se especulou a respeito de quem concebeu a ideia da famigerada reunião. O nome do seu autor está até hoje envolto em mistério, sendo motivo de muitas especulações. O primeiro sinal dado no sentido de tentar elucidar o mistério pode ser visto num dos artigos da série “Formal desmentido” publicada por Dr. Floro Bartholomeu da Costa, no jornal Unitário, de Fortaleza, de 9 a 17 de junho de 1915,  onde ele escreveu: “Determinado o dia 11 de outubro do mesmo ano de 1911 para a inauguração da vila e estando mui acirrados os ódios dos chefes do Cariri, especialmente os de Lavras, Aurora, Milagres, Missão Velha, Barbalha e Brejo dos Santos, contra os do Crato e os de Porteiras, lembrei ao Padre Cícero a necessidade de estabelecer-se a harmonia entre todos.  Para isso conseguir, a todos convidamos, de acordo com o Dr. Nogueira Accioly, para no dia 4 de outubro estabelecermos um pacto de paz entre todos os chefes inimizados.”  

- O escritor Otacílio Anselmo tem opinião diferente, pois na sua volumosa obra Padre Cícero, mito e realidade diz que, na reunião em que Padre Cícero foi empossado como primeiro Prefeito de Juazeiro, o juiz de Barbalha, Dr. Arnulfo Lins e Silva “aproveitou o ensejo para inspirar e, sob o patrocínio do Padre Cícero, promover um convênio entre os numerosos chefes municipais ali reunidos, no sentido de estabelecer um clima de paz e assegurar a tranquilidade das populações caririenses, até então em pânico permanente por conflitos armados resultantes de velhos ódios entre grupos e famílias irreconciliáveis, transmitidos de geração em geração e que ainda hoje subsistem.”

- Edmar Morel  atribui a ideia do pacto dos coronéis ao Padre Cícero, pois em sua obra Padre Cícero, o santo do Juazeiro ele assim escreveu: “O Padre querendo firmar o seu prestígio junto à oligarquia dos Acciolys, que já governavam o Ceará há vinte anos, em dois períodos, e ao mesmo tempo pôr em prova se ainda seria hostilizado pelos políticos, seus vizinhos, como no caso das minas do Coxá, levanta a ideia da realização de um convênio, no Juazeiro, com a participação de todos os senhores feudais, senhores de cangaceiros e senhores de eleitores”. O autor conclui tachando o pacto como “uma página da história do banditismo no Nordeste, um pacto de honra assinado pelos maiores e mais respeitáveis coronéis que infelicitaram os sertões do Brasil, atirando homens contra homens e transmitindo o ódio e a sede de vingança de geração em geração. Uma página celebérrima do cangaceirismo no Brasil”.

- Nesta mesma linha segue Amália Xavier de Oliveira, quando em seu livro O Padre Cícero que eu conheci, afirmou: “Foi o Padre Cícero quem programou, para o dia de sua posse, uma reunião com os chefes políticos da região a fim de assinarem um pacto de amizade e apoio mútuo tendo como um dos objetivos evitar movimentos que perturbassem a ordem na região caririense, procurando resolver as questões que surgissem, sem contendas prejudiciais, ao desenvolvimento das comunas”. E concluiu Amália Xavier de Oliveira: “Para fazer apresentação dos artigos o coronel Santana passou a Presidência (da reunião) ao Rev. Pe. Cícero, que explicou, aos presentes, a razão por que se fazia, naquele momento, um pacto de amizade e auxílio mútuo, com aquele programa de orientação”. 
Esta passagem, inclusive, está registrada na ata do pacto transcrita no início deste capítulo. Assim, temos três autores da ideia do Pacto: Dr. Floro, o juiz Dr. Arnulfo e o Padre Cícero. E a dúvida persiste com respeito à autoria. 

- Em seu livro Império do bacamarte o escritor Joaryvar Macedo tenta minimizar a questão da autoria da ideia do Pacto salientando que: “Seja quem for o autor do Pacto, é lícito admitir, ou mesmo acreditar nas suas retas intenções. Não parece justo considerá-lo uma farsa em sua gênese, como querem alguns. O acordo, na sua realidade, transformou-se numa pantomima, porque inexeqüível, pelo menos em parte dos seus artigos. Homens, na sua maioria despóticos, vezeiros em dominar pelo poder do bacamarte, achavam-se absolutamente despreparados para assumir compromissos de tal ordem. De outro ângulo, deixar de proteger facínoras e cangaceiros equivaleria a decretar a extinção do coronelismo. Um dos seus mais fortes esteios era precisamente o banditismo”.

- Diz ainda Joaryvar: “O texto da ata da singular Assembleia dos coronéis sul-cearenses, na qual se firmou o curioso pacto, reflete a posição proeminente do Padre Cícero na contextura coronelítica regional. Manifesta ademais, que, naquela conjuntura, a jeito trabalhada e preparada, o levita, além de assumir a chefia local, investia-se, concomitantemente, no comando político da região”.

- Assim como Joaryvar Macedo, Otacílio Anselmo também acha que “apesar da boa intenção do seu idealizador, o pacto seria inexeqüível num meio em que a lei vigente era a do mais forte e onde as questões, mesmo as mais simples, resolviam-se ao sabor da vontade soberana de velhos sobas apegados a seus interesses econômicos e as suas ambições políticas”.

- Para o escritor Rui Facó, na sua famosa obra Cangaceiros e fanáticos, “o pacto era na verdade um sinal de debilidade, um prenúncio de decadência do coronel tradicional, do potentado do interior, outrora senhor absoluto de seu feudo e em disputa constante com os feudos vizinhos. Sua maneira de pensar fora sempre esta: todos lhe deviam render vassalagem!”.
- Para  Irineu Pinheiro, autor de Efemérides do Cariri, os coronéis presentes à reunião em Juazeiro assinaram de comum acordo “um pacto de amizade e apoio mútuo com o fim de extinguir a proteção aos criminosos, evitar movimentos que perturbassem a vida das comunas caririenses, buscando resolver as questões que surgissem entre chefes vizinhos!”.

- A imprensa cearense deu vasta cobertura à reunião que culminou com a assinatura do pacto. Nada, contudo, se compara ao que estampou o jornal O Correio do Cariri, da cidade do Crato que após extensa matéria concluiu assim: “Podem os nossos leitores avaliar das boas intenções daqueles que, esquecendo antigos ressentimentos, se congraçaram, para, cumprindo santos deveres sociais, rasgarem um novo horizonte mais amplo e mais claro, aos públicos negócios desta opulenta e próspera parte de nosso Estado”. 

- Mas para o historiador americano Ralph Della Cava, autor de Milagre em Joaseiro, os coronéis do Cariri “contentes com a vitória obtida sobre Antônio Luís e desejosos de impedir que o Juazeiro viesse a dominar a região lançaram na famosa reunião a proclamação do hoje famoso Pacto dos Coronéis”. E conclui della Cava: “Finalmente, com o objetivo de fazer vigorar o pacto e garantir a participação da região na divisão do espólio político do poder estadual, comprometiam-se todos os delegados (presentes à reunião), a manter “incondicional” solidariedade com o excelentíssimo doutor Antônio Pinto  Nogueira Accioly, seu honrado chefe, e como políticos disciplinados obedecer incondicionalmente suas ordens e  determinações”.

- No final das contas, o certo mesmo é que o pacto falhou fragorosamente no conteúdo dos seus dois últimos artigos, pois cerca de pouco mais de três meses após a sua assinatura o presidente Accioly é apeado do poder, constituindo-se no mais duro golpe para os chefes políticos Acciolynos do Ceará.

- A queda do velho cacique da política cearense trouxe de roldão também o baque de muitos coronéis do Cariri, seus correligionários, mas, consoante acentua Joaryvar Macedo “a partir daí, começariam os caciques sul-cearenses, com desmedido empenho, a preparar uma sublevação, no sentido de retornarem ao poder supremo dos seus redutos eleitorais. E voltaram todos, com a vitória da rebelião de Juazeiro, de 1913 para 1914, - uma sedição dos coronéis”. 

- À reunião para assinatura do Pacto duas importantes forças políticas do Cariri não marcaram presença nem mandaram representantes: coronel Basílio Gomes da Silva, de Brejo Santo, e coronel Napoleão Franco da Cruz Neves, de Jardim, pois ambos já haviam rompido com Accioly. Contudo, outros chefes políticos destes municípios estavam presentes.

Conclusão
Diante do exposto, fica evidente que paira dúvida sobre quem é o autor da ideia de realização da reunião que resultou na assinatura do Pacto dos coronéis. Mas todos concordam num ponto:  a aposição da assinatura do Padre Cícero no referido documento oficializou sua liderança como chefe político da Cariri, mas também o transformou num coronel de batina conforme lhe atribuem muitos dos seus biógrafos.  
Também  fica evidente que mesmo o Pacto não tendo conseguido o êxito esperado, isso não diminuiu em nada o prestígio político do Padre Cícero que mais tarde o confirmou quando liderou juntamente com o deputado Floro Bartholomeu da Costa, em 1914,  o movimento sedicioso que culminou com a deposição do Presidente do Ceará, Franco Rabelo.
Também é possível concluir que depois do Pacto dos Coronéis a história do Padre Cícero toma outro rumo, agora de natureza política, mas que andou ao lado da sua já consolidada áurea de líder religioso de uma grande massa de sertanejos, sob o olhar de repúdio da Igreja Católica Apostólica Romana, que tirou suas ordens em 1894 e em 2015 promoveu sua reconciliação.  
Não obstante as críticas ostensivas dirigidas  a assembleia política que culminou com a assinatura do Pacto dos Coronéis, não há como anular o fato de este evento figurar como um dos mais importantes acontecimentos políticos da história do Cariri e do Ceará, pois nunca se viu tantos caciques da política cearense juntos numa vila recém-criada. E mais: somente o Padre Cícero teria força e prestígio suficientes para convocar os participantes da reunião. 
Por tudo isso, o Pacto dos Coronéis é tema recorrente na vasta bibliografia de Padre Cícero e jamais deixará de ser um assunto polêmico.  

GALERIA DOS PERSONAGENS DO PACTO DOS CORONEIS
    Padre Cícero                           Dr. Floro
                                                 
    Cel. Accioly             Cel. Antônio Luís
                                                           
    Cel. Antônio Correia Lima e Pe. Augusto Barbosa
 
     Cel. Gustavo Augusto e Cel. João Augusto
    Cel. José Alves Pimentel e Cel. Pedro Silvino
     Cel. Cândido Ribeiro Campos    e  Cel. Antônio Joaquim de Santana
     Cel. Romão Pereira Filgueiras Sampaio

O Pacto dos Coronéis na concepção da artista plástica juazeirense Assunção Gonçalves. Esta tela encontra-se exposta na Câmara Municipal de Juazeiro do Norte.  

Casa de dona Rosinha Esmeraldo (em sua arquitetura original) onde Padre Cícero foi empossado no cargo de intendente de Juazeiro e também local da realização da assembleia política que lavrou o Pacto dos Coronéis. 
    

Prédio onde foi assinado o Pacto dos coronéis atualmente


BIBLIOGRAFIA
     
ANSELMO, Otacílio. Padre Cícero: mito e realidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
BARBOSA DA SILVA, José Fábio. Organização Social de Juazeiro e Tensões entre Litoral e Interior, in Sociologia, vol. XXIV, n° 3, setembro de 1962. São Paulo,, Fundação Escola de Sociologia Política de São Paulo.
CAMURÇA, Marcelo. Marretas, molambudos e rabelistas: a revolta de 1914 no Juazeiro. São Paulo: Maltese, 1994.
DELA CAVA, Ralph. Milagre em Joaseiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
FACÓ, Rui. Cangaceiros e fanáticos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.
JANOTTI, Maria de Lourdes M.   O Coronelismo, uma Política de Compromissos. São Paulo, Editora Brasiliense S.A., 1981, p. 73.
LIRA NETO. Padre Cícero: poder, fé e guerra no sertão. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
LOPES, Regis. Caldeirão. Fortaleza: Eduece, 1991.
MACEDO, Joaryvar. Império do bacamarte: uma abordagem sobre o coronelismo no Cariri. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 1990.
MOREL, Edmar. Padre Cícero: o santo de Juazeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966. 
PINHEIRO, Irineu. Efemérides do Cariri. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1963.
XAVIER DE OLIVEIRA, Amália. O Padre Cícero que eu conheci. Rio de Janeiro: Gráfica Olímpica Editora Ltda., 1969.   

O AUTOR

Daniel Walker é natural da cidade de Juazeiro do Norte, Ceará, onde nasceu em 6 de setembro de 1947. É formado em História Natural pela Faculdade de Filosofia do Crato, com Curso de Especialização em História do Brasil pela Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro. Professor Adjunto aposentado da Universidade Regional do Cariri-URCA. Desenvolve também atividade como jornalista com trabalhos publicados pela imprensa juazeirense e de Fortaleza. Em 1995 fundou o jornal eletrônico Juaonline, a vitrine da história de Juazeiro do Norte, rebatizado em 2008 com o nome de www.portaldejuazeiro.com É pesquisador da vida do Padre Cícero e de Juazeiro do Norte sobre quem já publicou os seguintes livros:
e-mail: danielwalker47@gmail.com