quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

HISTÓRIAS DO PADIM CIÇO


Antonio Máspoli de Araújo Gomes
Pesquisador do Laboratório de Psicologia Social e Estudos de Religião da USP
e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie

A mais nova contribuição de Lira Neto ao gênero biográfico trata-se da obra Padre Cícero, Poder, Fé e Guerra no Sertão, lançada pela Editora Companhia das Letras em 2009. Nessa obra, Lira lança mão da sua experiência de pesquisador, jornalista e escritor para revisitar a figura emblemática do padre Cícero Romão Batista ou o "Meu Padim, Padim Ciço", como é carinhosamente chamado, até hoje, pelo romeiro sertanejo, seu seguidor. Explicitado pelo autor, o objetivo da obra consiste numa contribuição histórica para a redenção do padre Cícero perante a Igreja Católica Apostólica Romana, barrando, assim, o vertiginoso crescimento evangélico no sertão nordestino. O livro é uma obra interessante, pois a criatividade e a imaginação do autor se misturam com os fatos históricos em torno do padre Cícero. O autor utiliza, com extrema sabedoria, o romance, a biografia e a ficção, em que até aquelas histórias criadas pelo imaginário popular em torno da figura mítica do padre encontram o seu lugar e brindam o leitor com uma leitura agradável sobre o multifacetado sacerdote. Padre Cícero é modelado na pena de Lira como o Messias do Nordeste brasileiro, especialmente daquele Nordeste que se encontra no semiárido, no chamado Polígono da Seca. Assim sua obra tem duas partes: a primeira, em que o padre Cícero aparece como uma figura sagrada, piedosa e santa, tem treze capítulos e é intitulada simbolicamente de "A Cruz"; a outra, em que o "Padim Ciço" aparece como um chefe político, militar e religioso, um verdadeiro pater família, também tem treze capítulos e é denominada de "A Espada". Respectivamente, Lira descreve o padre Cícero inicialmente como um santo, e em seguida como um pecador.

O CENÁRIO
O autor descreve com singeleza o espaço messiânico onde tais fatos ocorreram: em Juazeiro do Norte no Cariri, ao sopé da Chapada do Araripe. Sobre o Cariri vale frisar que quem do sertão caminhe para a Chapada do Araripe vê a caatinga ir-se transmudando em cerrados de melhor aspecto; no último trecho da viagem, notadamente de Lavras em diante, e transpostos os poucos elevados contrafortes da Serra de São Pedro, há de notar que a flora como se adensa e avulta, em mais rápido alento. Entrecortada pela caatinga, rala e enfermiça, com trechos quase desertos para as bandas do leste, ocupando larga porção dos municípios de Aurora e Milagres, à direita da ravina coletora das águas, está o que os mapas indicam com o nome pomposo de Rio Salgado. Ali, as juremas se apresentam sempre tristes, as imburanas quase desfolhadas, a oiticica, e o próprio juazeiro, sem a copa altiva, com que noutros pontos domina e alegra toda a paisagem. E, de espaços em espaços, se sobressaem, amiudados, os desolados cômoros de pedra e areia, em que só logram medrar o xiquexique, o mandacaru, o facheiro alteroso e solene, ou a macambira de lanças aguçadas. A região não sofre os rigores da seca. As estiagens prolongadas influem, ao contrário, beneficamente, no seu desenvolvimento econômico. Acossadas por elas, as populações circunvizinhas, num raio de muitas léguas, pagam um alto preço pelos cereais e o açúcar. E oferecem-lhe, ainda hoje, ademais, milhares de braços pelo preço do pão de cada dia. Juazeiro do Norte, cidade que se encontra no lado mais seco e pobre do Cariri, é o cenário para a ocorrência dos milagres de Juazeiro, tendo Maria de Araújo e o padre Cícero como principais atores. Eis uma síntese da primeira parte da obra de Lira Neto.

PADRE CÍCERO, O SANTO
No Vale do Cariri, estado do Ceará, um cenário épico por si mesmo, nasceu, viveu e morreu o padre Cícero Romão Batista. O padre nasceu no dia 24 de março de 1844 no município do Crato. Era filho de Joaquim Romão Batista e Joaquina Vicência Romana, conhecida como dona Quinô. Aos 6 anos de idade começou a estudar com o prof. Rufino de Alcântara Montezuma. Um fato importante marcou a sua infância: o voto de castidade, feito aos 12 anos, influenciado pela leitura da vida de São Francisco de Sales. Em 1860, foi matriculado no colégio do renomado padre Inácio de Sousa Rolim, em Cajazeiras, Paraíba. Aí pouco demorou, pois a inesperada morte de seu pai, vítima de cólera, em 1862, o obrigou a interromper os estudos e voltar para junto da mãe e das irmãs solteiras.
A morte do pai, pequeno comerciante no Crato, trouxe sérios aperreios financeiros à família, de tal sorte que, mais tarde, em 1865, quando Cícero Romão Batista precisou ingressar no Seminário de Fortaleza, só o fez graças à ajuda de seu padrinho de crisma, o coronel Antônio Luiz Alves Pequeno. Aluno medíocre. Terminou seus estudos com dificuldades, e com dificuldade Cícero foi ordenado no dia 30 de novembro de 1870. Após sua ordenação retornou ao Crato, e enquanto o bispo não lhe dava paróquia para administrar, ficou como professor de Latim no Colégio Padre Ibiapina, fundado e dirigido pelo prof. José Joaquim Teles Marrocos, seu primo, grande amigo e defensor nas quizílias e querelas com a Igreja Católica. No Natal de 1871, convidado pelo prof. Semeão Correia de Macedo, padre Cícero visitou pela primeira vez o povoado de Juazeiro, então pertencente à cidade do Crato, e lá celebrou a tradicional Missa do Galo. Nessa época Juazeiro não passava de um povoado, com população rarefeita, geralmente habitado por desordeiros, prostitutas e outros empobrecidos e marginalizados pelo latifúndio nordestino. Segundo Lira Neto, o padre visitante, de 28 anos de idade, estatura baixa, pele branca, cabelos louros, olhos azuis penetrantes e voz modulada impressionou os habitantes do lugar. E a recíproca foi verdadeira. Por isso, decorridos alguns meses, exatamente no dia 11 de abril de 1872, lá estava de volta, para fixar residência definitiva em Juazeiro. A cidade, então, não passava de um pequeno aglomerado de casas de taipa e uma capelinha erigida pelo primeiro capelão padre Pedro Ribeiro de Carvalho, em honra a Nossa Senhora das Dores, padroeira do lugar. Seu primeiro ato foi melhorar o aspecto da Capelinha. Depois, tocado pelo ardente desejo de conquistar o povo que lhe fora confiado por Deus, desenvolveu intenso trabalho pastoral com pregação, conselhos e visitas domiciliares, como nunca se tinha visto na região. Dessa maneira, rapidamente ganhou a simpatia dos habitantes, passando a exercer grande liderança na comunidade. Sua pregação era muito simples: quem roubava não devia roubar mais; quem bebia não devia beber mais; quem matava não devia matar mais, etc. Paralelamente, agindo com muita austeridade, cuidou de moralizar os costumes da população, acabando pessoalmente com os excessos de bebedeira, prostituição e violência no povoado. O centro da obra de Lira Neto, nessa primeira parte, é o chamado Milagre de Juazeiro. Um fato incomum, acontecido em 10 de março de 1889, que transformaria a rotina do lugarejo e a vida de padre Cícero para sempre. Naquela data, ao participar de uma comunhão geral, oficiada por ele, na capela de Nossa Senhora das Dores, a beata Maria de Araújo, ao receber a hóstia consagrada, não pôde degluti-la, pois ela transformara-se em sangue. Acontecia ali no sertão, aos olhos de todos, o milagre da transubstanciação. O milagre continuaria a ocorrer diariamente, tendo sua epifania na manhã do dia 11 de junho de 1890, numa humilde capelinha da Nossa Senhora das Dores, padroeira do lugar: depois de receber das mãos do padre Cícero Romão Batista a hóstia consagrada, a beata Maria de Araújo caía por terra em violenta crise nervosa. Os fiéis presentes, que a socorreram, notaram que um fiozinho de sangue lhe escorria da boca entreaberta; ao mais detido exame, verificaram depois que o trigo usado na eucaristia se havia transformado em sangue vivo, rubro e palpitante. O padre tornou-se o fiador de tal milagre, perante a Igreja e diante do povo. A Igreja considerou o milagre um ultraje à Santa Ceia. O povo, por outro lado, celebrava a visitação do Cristo no sertão. Cícero enfrentou a perseguição da Igreja, o isolamento oficial que culminou, depois de um longo processo, na suspensão de seu ministério pastoral pelo bispo Dom Joaquim Vieira, e finalmente enfrentou a fúria dos inquisidores de Roma. Esse evento milagroso atraiu milhares de devotos de todo o sertão brasileiro. A esse tempo, porém, milhares de devotos já se haviam estabelecido nas redondezas, certos de que era aquela a Canaã prometida. Ademais, fácil era o culto, e a liberdade de costumes, atraente. A ideia de se construir um grande templo, como agradecimento àquela graça inefável, impunha-se a todos. O povoado passou a ser alvo de peregrinação: as pessoas queriam ver a beata e adorar os panos manchados de sangue e receber a bênção do "Meu Padim, Padim Ciço". Os romeiros, continua Lira Neto, principiam a afluir para Juazeiro em levas e levas de indivíduos famintos, excluídos da religião oficial e da sociedade, marginalizados, fanáticos de todos os matizes. E, como o milagre se repetia em outras comunhões da beata, mais e mais era propalada a notícia, e mais engrandecida de boca em boca. Juazeiro cresceu à sombra do padre Cícero e seus milagres. Em 1920 já contava com cerca de trinta mil moradores. Nas festas de Nossa Senhora das Dores recebia pelo menos mais vinte mil como consequência. Dentro em pouco, outro culto se corporizava, na adoração em pessoa do novo Messias, encarnado na figura sacrossanta do padre Cícero. De início, padre Cícero tratou o caso com cautela, guardando sigilo por algum tempo. Os médicos Marcos Madeira e Idelfonso Correia Lima e o farmacêutico Joaquim Secundo Chaves foram convidados para testemunhar as transformações e depois assinaram um atestado, afirmando que o fato era inexplicável à luz da ciência. Isso contribuiu para fortalecer no povo, no padre Cícero e em outros sacerdotes a crença no milagre. O professor e jornalista José Marrocos, desde o começo um ardoroso defensor do milagre, cuidou de divulgá-lo pela imprensa. As notícias logo chegaram ao Palácio Episcopal. O bispo do Ceará, à época D. Joaquim Vieira (o padre Vierinha), da cidade de Campinas, estado de São Paulo, nomeou uma comissão de sacerdotes e médicos com a delicada incumbência de verificar o extraordinário fenômeno. E, se possível, negá-lo a bem da fé e da verdade. Segundo Lira Neto, depois de várias pesquisas e da observação repetida do próprio fato, tal comissão declarou, num primeiro documento, que o caso não podia ter explicação natural e devia ser tomado como expressão miraculosa. Um dos médicos chegou mesmo, em arroubo inicial, a professar a sua fé em atestado escrito que o sangue em que a hóstia se transformava não podia deixar de ser senão o sangue de Jesus Cristo. Houve época em que as maravilhas se multiplicaram espantosamente. Durante as lutas da revolução de fins de 1913, a crença geral era a de que quem morresse pelo Padrinho, onde quer que fosse, ressuscitaria, perfeito e são, no seio da Meca. E contam-se casos de ressurreição para sua comprovação e casos de que por lá ninguém duvida. Sobre a pressão de Dom Joaquim Vieira, a comissão voltou a falar, e dessa vez para uma retratação pura e simples. Surgiram hipóteses naturalíssimas para a explicação do fenômeno, prevalecendo, no entanto, a de que o sangue proviesse das gengivas maltratadas da beata, da língua ou de uma ferida na garganta, que sangrava sob a intensa comoção do ato. O padre Cícero e sua beata tornam-se objeto de zombaria e escárnio da Igreja e da imprensa cearense. Quanto mais era perseguido, mais o povo o canonizava. Assim nasce o Santo de Juazeiro na concepção de Lira Neto. Com a posição contrária do bispo, criou-se um tumulto, agravado quando o Relatório do Inquérito foi enviado à Santa Sé, em Roma, e essa confirmou a decisão tomada pelo bispo. Todos os padres que acreditavam no milagre foram obrigados a se retratar publicamente, ficando reservado ao padre Cícero uma punição maior: a suspensão da ordem. Durante toda sua vida ele tentou revogar essa pena. Foi pessoalmente a Roma perante o Tribunal do Santo Ofício para isso; todavia, em vão. Aliás, ele até que conseguiu uma vitória em Roma, quando lá esteve em 1898. O Tribunal do Santo Ofício o autorizou a rezar missa. O bispo Dom Joaquim Vieira não considerou a posição do Santo Ofício e manteve o padre afastado dos seus deveres de sacerdote.

PADRE CÍCERO, O PECADOR
Na segunda parte da sua obra, Lira Neto nos apresenta o padre Cícero como chefe político, líder de jagunços e cangaceiros, um verdadeiro coronel de batina. A constante doação dos fiéis, pouco a pouco, o transforma também em latifundiário. Os propalados milagres de Juazeiro concederam ao padre Cícero importante poder simbólico. As terras que recebia em doação dos romeiros trouxeram poder econômico. Faltava-lhe, porém, o poder político. Este veio ao seu encontro com a revolução de 1914. Juazeiro passa a ser considerado uma Nova Canudos. O governo do Ceará intenta destruí-la. Padre Cícero comanda pessoalmente, através de Floro Bartolomeu, seu lugar-tenente, a resistência. O apoio dos jagunços e cangaceiros lhe garante uma revolução vitoriosa contra o governo do Ceará em 1914. A revolução de 1914 o consagrou como líder político e chefe paramilitar. O meio era o mais propício, certamente, e o herói, um predestinado. Vitorioso, o padre Cícero de Juazeiro, como ficou conhecido após a revolução de 1914, barganha sua independência do Crato. Conseguida a independência de Juazeiro, em 22 de julho de 1911, padre Cícero foi eleito prefeito do recém-criado município. Além de prefeito, também ocupou a vice-presidência do Ceará. Sobre sua participação na revolução de 1914 ele afirmou categoricamente que a chefia do movimento coube ao doutor Floro Bartolomeu da Costa, seu grande amigo. Na perspectiva de Lira Neto, a revolução de 1914 foi planejada pelo governo federal com o objetivo de depor o presidente do Ceará, o cel. Franco Rabelo. Com a vitória da revolução, padre Cícero reassumiu o cargo de prefeito, do qual havia sido retirado pelo governo deposto, e seu prestígio cresceu. Sua casa, antes visitada apenas por romeiros, passou a ser procurada também por políticos e autoridades diversas.
Outra figura proeminente que aparece ao lado do padre Cícero trata-se do doutor Floro Bartolomeu. Floro, um político experiente, tornou-se o mentor político e o conselheiro militar do padre Cícero. O doutor, como era costumeiramente chamado pelos romeiros, esquecia-se de imitar o prefeito no disfarce da embriaguez do poder. O povo, vencido pela adoração do padre, jazia inconsciente aos pés do doutor. E assim foi sempre. Se o padre queria uma coisa que lhe não ficava bem, com a execução, passava a imputabilidade ao doutor, menos escrupuloso, e o povo, sem saber mais distinguir um do outro, obedecia a este como se fora aquele. Tal se deu na revolução de 1914. Ao doutor Floro, segundo Lira Neto, já não bastava uma cadeira na Câmara Municipal de Juazeiro, não o contentava mais o comando de seus cangaceiros sacrificados: sonhou com o Parlamento Estadual, com suas rendas. E lá se foi sentar numa cadeira do Congresso do Estado, por obra e graça do padre Cícero que, descarregando nele sua gaveta de títulos eleitorais, tinha em vista ganhar, junto ao governo, aquela posição de valia, na pessoa de seu lugar-tenente. Mas o poder é como cachaça: quanto mais se bebe, mais se quer beber. Por isso, eis agora o doutor com os olhos no Congresso da Nação. E há dificuldade para Juazeiro, quando o padre Cícero quer? Se houvesse dois candidatos os títulos ainda sobrariam. Doutor Floro foi elevado pelo voto de cabresto dos romeiros a deputado federal! Por fim, o padre se queixava, abertamente, da tirania do doutor. Dantes, ele era tudo. Agora, um espectro, tangido pelas mãos de Floro. Antes podia dizer, como disse a um hóspede interessado em questões do foro, "Que em Juazeiro o prefeito, a Câmara, o juiz, o delegado, o comandante, a polícia, o carcereiro, era ele". Agora era forçado a confessar que sobre o governo do município ele nada sabia; quem fazia tudo era o doutor Floro. Lira Neto descreve padre Cícero como o maior benfeitor de Juazeiro, e a figura mais importante de sua história. Foi ele quem trouxe para Juazeiro as ordens dos Salesianos e dos Capuchinhos; doou os terrenos para construção do primeiro campo de futebol e do aeroporto; construiu as capelas do Socorro, de São Vicente, de São Miguel e a Igreja de Nossa Senhora das Dores; incentivou a fundação do primeiro jornal local (O Rebate); fundou a Associação dos Empregados do Comércio e o Apostolado da Oração; realizou a primeira exposição da arte juazeirense no Rio de Janeiro; incentivou e dinamizou o artesanato artístico e utilitário, como fonte de renda; incentivou a instalação do ramo de ourivesaria; estimulou a expansão da agricultura introduzindo o plantio de novas culturas; contribuiu para a instalação de muitas escolas, inclusive a famosa Escola Normal Rural e o Orfanato Jesus Maria José; socorreu a população durante as secas e epidemias, prestando-lhe toda assistência e, finalmente, projetou Juazeiro no cenário político nacional, transformando um pequeno lugarejo na maior e mais importante cidade do interior cearense. Essa obra econômica, política, religiosa e social do padre Cícero Romão Batista é o verdadeiro milagre de Juazeiro. Só pela sua obra, como líder político de Juazeiro, transformando aqueles excluídos das secas do latifúndio, já lhe caberia a canonização. Os muitos bens que o padre Cícero recebeu por doação dos romeiros, durante sua quase secular existência, foram doados à Igreja, sendo os salesianos seus maiores herdeiros. Ao morrer, no dia 20 de julho de 1934, aos 90 anos, seus inimigos gratuitos apregoaram que, morto o ídolo, a cidade que ele fundou e a devoção à sua pessoa acabariam logo. Enganaram-se. A cidade prosperou e a devoção aumentou. Até hoje, todo ano, religiosamente, no Dia de Finados, uma grande multidão, com cerca de cem mil romeiros, vindos dos mais distantes locais do Nordeste, chega a Juazeiro para uma visita ao seu túmulo, na Capela do Socorro. A obra de Lira Neto faz uma apologia em favor da reabilitação do padre Cícero perante a Igreja Apostólica Romana. Cícero Romão Batista é fruto de uma época. Nasceu em circunstâncias sociais e históricas específicas. A obra de Lira carece dessa contextualização dos fatos. O autor cita farta documentação, porém não utiliza nenhuma metodologia como forma de referência bibliográfica. Não seria a santa rebeldia do padre sua maior força perante os excluídos de todas as vertentes do cristianismo no Nordeste? O padre Cícero, a beata Maria de Araújo e todos os milagres atribuídos a Juazeiro ainda permanecem naquele espaço denominado por Roger Bastide de "sagrado selvagem". Não seria a recondução do padre (in memoriam) ao seio da Igreja a domesticação desse sagrado? O livro Padre Cícero, Poder, Fé e Guerra no Sertão finalmente se constitui num importante instrumento de pesquisa para estudiosos, professores e alunos das Ciências Humanas e Sociais e outros interessados na compreensão da religiosidade popular brasileira.

(Fonte: Revista da USP, Nº 86 - São Paulo, ago. 2010)

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

CENÁRIOS DE FÉ E DEVOÇÃO AO PADRE CÍCERO NO ESTADO DE ALAGOAS - Por Cecília Esmeraldo


Ao desenvolver a pesquisa: TERRITORIALIDADES RELIGIOSAS EM IRRADIAÇÃO: Um olhar geoturístico sobre a devoção alagoana às representações de Padre Cícero e Juazeiro do Norte/CE, observei, nas cidades alagoanas de Mata Grande e Boca da Mata, cenários que demonstram a movimentação de romeiros, devotos, Igreja e comerciantes numa representação ou reconfiguração juazeirense.
Falar em fé para os devotos do Padre Cícero em Alagoas é algo que nos surpreende, pois, nas manifestações romeiras a sua fé é intocável e arraigada histórica e cultural, resistindo às dificuldades econômicas e climáticas, como também as influências de outras religiões.
Diferente das demais cidades alagoanas, Mata Grande vem se destacando na atividade religiosa, como pode ser observado no Santuário de Santa Terezinha. Enquanto em Juazeiro tudo está em volta do Padre Cícero e dos milagres da transfiguração da hóstia em sangue. Em Mata Grande, fenômeno semelhante ocorre com o Padre Sizo, afastado das ordens sacerdotais pelo Bispo de Palmeira dos Índios Dom Dulcênio.
Padre Sizo atrai multidões ao santuário que ele construiu com recursos próprios e doações dos devotos, ao adentrar o santuário visualiza imagens e cenas que lembram a Basílica Menor de Nossa Srª. das Dores e retoma o período em que o Padre Cícero realizava suas pregações e a benção do “Maria Valei-me”.
Face à percepção que os romeiros, peregrinos têm da cidade de Juazeiro do Norte seria como o “Paraíso” ou a “Terra Santa”, pois no imaginário do romeiro, do nordestino, Cícero é o “Padim” (popularmente chamado) que protege a vida de cada um. Essa cena se repete em Mata Grande, pois para os devotos de Santa Teresinha e do Padre Cícero, ali é um lugar sagrado mais próximo deles e o Padre Sizo também chamado de “Padim” é a imagem viva do Padre Cícero.
A complexidade do cenário da cidade em foco, não se restringe apenas aos acontecimentos diários de uma simples visita de costume à Igreja pelo devoto, mas, um número crescente de romeiros, devotos de cidades circunvizinhas que vem expressar sua fé no Santuário, lugar “santo” e que tem a pessoa do “Padim” Sizo, tratamento esse dado primeiramente ao Padre Cícero (Padim) e ali você pode presenciar todos os rituais das festas romeiras de Juazeiro do Norte. Como diz Padre Sizo, eles (romeiros) criaram um mito com sua pessoa.
É essa dimensão relacional da fé dos devotos que nos permite investigar o objeto de estudo proposto, a dinamicidade que é incorporada ao novo lugar de devoção, cooptando o cenário de Juazeiro do Norte – Ceará. Não podemos desconsiderar o planejamento do espaço – santuário e o acompanhamento espiritual – devoto, que está sendo realizado nesse território. Para o representante do Papa Bento XVI, Padre Sizo realiza um trabalho de catequese para os seus devotos, daí o próprio título de catequista do sertão atribuído por Monsenhor Murilo a ele.
Lembrando o calendário das romarias de Juazeiro do Norte/Ceará, Mata Grande possui três romarias durante o ano: Primeiro domingo de Janeiro, aniversário do Padre Sizo; em abril a festa do Coração de Jesus; e o Segundo domingo de Outubro em homenagem a Santa Terezinha. A romaria de janeiro realizou-se com a saída do Padre para o retiro espiritual - um ano sabático como foi orientado pelo Vaticano.
Como podemos observar, no contexto dessas romarias e da devoção a Padre Cícero, a irradiação devocional sociopolítica, cultural, econômica e principalmente religiosa, "aurora de todo esse processo", também pode, de certa forma, gerar uma dualidade em sua interpretação. Esse evento, da irradiação devocional, é causado por algo pontual ocorrido em Juazeiro do Norte? Ou é efeito, na espacialidade regional, principalmente na Nordestina, onde atua fortemente, apesar do espaço temporal e do surgimento de tantas outras religiões, ainda nos dias atuais?
É notório que as romarias, além da peregrinação, detêm a sacralidade a purificação no entendimento do devoto. A leitura que Rosendahl (2003) faz sobre o sagrado remete a sua representação simbólica, à perspectiva do poder mantido e reproduzido pela comunidade em suas territorialidades “sagradas”.
Concorda-se com o pensamento de Haesbaert sobre território quando diz que: “embora não seja uma simples questão de mudança de escala, também há uma revalorização da dimensão local. O território reforça sua dimensão enquanto representação, valor simbólico” (2007, p.50).
O carisma do Padre Cícero entre seus devotos é inquestionável! Ao presenciar as celebrações do dia 20 de julho de 2012 na cidade de Boca da Mata, data que lembra 78 anos de aniversário de morte, constata-se que o “Padim” está muito vivo nos milhares de devotos nordestinos e especialmente alagoanos. Foi o que pude ver na cidade de Boca da Mata em Alagoas, onde uma quantidade considerável de fiéis participou da missa celebrada pelo Bispo Dom Valério Brêda. Ali eles depositaram seus votos em torno da imagem do Padre Cícero, rezaram, compraram, se reencontraram com os amigos, como em toda romaria todos os laços são reafirmados naquele momento.
É oportuno dizer que em Boca da Mata, na tradicional missa, se revive Juazeiro do Norte – Ceará com os louvores em homenagem ao “Padim”, numa paisagem em que a movimentação de devotos, a organização comercial, os transportes com as caravanas em ônibus, vans e carros próprios representa uma pequena “Juazeiro do Norte”. Para o Prefeito José Tenório, a cidade se organiza para receber os fiéis e proporciona a celebração para aqueles que não puderam se deslocar em romaria para Juazeiro. Há toda uma infraestrutura municipal e paroquial para bem atender a todos que chegam.
Isto nos leva a questionar sobre os seguintes aspectos do objeto de investigação científica: O que constitui essas novas devoções? O que caracterizaria tais regiões devocionais? Seria uma visão especulativa da significância do capital-religioso? Ou a criação de outras regiões a partir do lugar Juazeiro do Norte? Ou, ainda, o fortalecimento da Igreja amparada na imagem do Padre Cícero? É possível manter essa irradiação e/ou reprodução da fé a partir da (des) construção/reterritorialização do lugar de origem?
Por outro lado, é crescente a nova integração com outros lugares de devoção ao Padre Cícero, nos quais os romeiros/devotos estabelecem suas relações. Não é mais somente um fenômeno religioso local ou regional como era visto por alguns estudiosos, mas um fenômeno que vem estabelecendo suas territorialidades e reconfigurações culturais e devocionais. Nessa perspectiva, vale ressaltar o compromisso com a fé e não a competitividade com Juazeiro do Norte/Ceará.
O delineamento das regiões devocionais expressa muito bem as territorialidades presentes, no espaço urbano, ou melhor, o espaço de fixos e fluxos demonstra o sistema urbano, desde a materialidade presente nas edificações religiosas, nos shoppings consolidados (artigos religiosos), na metropolização de serviços, reproduzido nos discursos da mídia, fortalecendo a rede religiosa, incorporada pela devoção da religiosidade popular, exigindo assim uma reestruturação dos serviços urbanos.
No período contemporâneo, assiste-se a essa tomada de construção de santuários, de espaços com monumentos religiosos para propagar e cultuar uma devoção. O homem, diante de suas experiências religiosas, sente a necessidade de estar próximo de um “santo” de um protetor e por que não ser o “padim”, já que o mesmo está inserido no Nordeste do Brasil, diferente dos santos europeus. No caso desse devoto específico, nota-se também essa questão da proximidade. Daí a cidade passar a projetar essa imagem da religiosidade popular.
Diante dos cenários devocionais pela força da devoção ao Padre Cícero estão surgindo com planejamento e orientação pastoral, com apoio político, empresarial e de alguns representantes da Igreja Católica Apostólica Romana. No entanto, Juazeiro do Norte precisa se articular para solidificar sua devoção em rede, pois os lugares de “imitação/representação” estão mais planejados do que o lugar - Juazeiro do Norte.
Nesse sentido, a fé, a devoção ao Padre Cícero é crescente, dinâmica e manifestada nos milhares de devotos que ele conquistou e continua conquistando diante de seu trabalho de evangelização com o povo sofrido do nordeste Brasileiro. “Viva o Padim” desse povo que cultua seus atos devocionais amparados na religiosidade popular que os faz seguir em romaria constante!
 Missa do dia 20 de Julho de 2012. Boca da Mata/Alagoas


Cecília Esmeraldo é Licenciada em Geografia pela Universidade Regional do Cariri-URCA e natural da cidade de Crato/Ceará. Atualmente é Doutoranda do Curso de Doutorado em Geografia da Universidade Federal do Ceará/UFC, onde já qualificou sua Tese sob a Orientação do Profº. Dr. Christian Dennys Monteiro de Oliveira.

Participou recentemente do II Seminário Internacional sobre Microterritorialidades nas Cidades, no período de 12 a 14 de novembro de 2012/UNESP, Presidente Prudente-SP, discutindo a Temática Microterritorialidades Devocionais ao Padre Cícero.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Mais homenagens a Padre Cícero


Eduardo Fernandes (filho de Demontieux Fernandes, Editor do Folha da Manhã e colaborador deste blog), circulando pelo interior nordestino, nos enviou mais fotos de empresas com o nome de Padre Cícero. Conforme ele descobriu, no município de Senador Sá (CE), situado a 43 km de Sobral, existe a Oficina Pe. Cícero; e em Areia (PB), esta situada a 45 km de Campina Grande e a 120 km de João Pessoa (PB), existe a Auto Peças Padre Cícero, inclusive com uma estátua do homenageado, em tamanho natural (cerca de 1,60m). Eduardo soube que sempre vem excursão de romeiros de lá para visitar Juazeiro do Norte, pois o povo de Areia gosta muito do Padre Cícero.

Serra visita Juazeiro e diz que pediu a Padre Cícero para ganhar eleição. Tucano foi recebido em clima de campanha e preferiu não comentar resultados de pesquisas

Serra recebe estátua de Padre Cícero das mãos de uma
integrante de Reisado Estrela Guia. 
Jarbas Oliveira/Pagos

ÂNGELA LACERDA - Agência Estado, 17 de maio de 2010
Em visita a Juazeiro do Norte, no sertão do Cariri cearense, o pré-candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, admitiu nesta segunda-feira, 17, ter feito alguns pedidos aos pés da imagem de Padre Cícero, na Serra do Horto. "Pedi por meus netos e para ganhar a eleição", afirmou, acrescentando que visitar o local "é bom para iluminar os próximos meses que serão decisivos".

Serra foi recebido em clima de campanha, com foguetório, banda de música e carreata com 50 motos que o acompanharam por 15 quilômetros, do aeroporto regional até o local onde fica a estátua do religioso cearense. Em frente à estátua, o pré-candidato assistiu à apresentação do reisado Estrela Guia, de quem recebeu uma pequena imagem do religioso que é considerado santo pela população, embora não seja reconhecido pela Igreja Católica como tal.

Serra mostrou conhecimento sobre vida e a obra de Padre Cícero Romão Batista, destacando sua importância não só na espiritualidade, mas também nas áreas social e ambiental. Sobre o local, ele disse "aqui é um centro espiritual do Nordeste do Brasil".

Em rápida entrevista, o pré-candidato preferiu não comentar as últimas pesquisas de intenção de voto e disse que não tinha informação completa para poder falar sobre o acordo entre Brasil e Irã.

De Juazeiro do Norte, a caravana seguiu para o município vizinho de Barbalha, onde foi recebido no Hospital e Maternidade São Vicente de Paula. Faixas e a Banda Municipal Filarmônica São José o recepcionaram. Nesse hospital - que foi beneficiado com recursos do governo federal no período em que Serra foi ministro da Saúde e que hoje atende a 200 municípios do Nordeste - ele recebeu o título de Benfeitor Emérito.

A próxima etapa de sua viagem ainda nesta segunda-feira foi o Crato, outra cidade do Cariri, para uma reunião política com lideranças locais e do Centro-Sul cearense. Em sua visita a essas cidades, patrocinada pelo PSDB, Serra esteve acompanhado do senador Tasso Jereissati, que ele considera um político muito importante para a sua campanha à Presidência. 

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Homenagem a Padre Cícero

Eduardo Fernandes (filho de Demontier Fernandes, Editor do jornal Folha da Manhã), circulando por aí, nós enviou fotos de um estabelecimento comercial no município de Senador Sá (CE), situado a 43 KM de Sobral, com o nome de Frigorífico Pe Cícero. No Ceará, de norte a sul o fundador de Juazeiro é muito homenageado como nome de empresas comerciais. 
Quem souber de mais homenagens assim pode enviar a foto do estabelecimento que publicaremos neste blog.


terça-feira, 9 de outubro de 2012

A origem dos conselhos mais famosos do Padre Cícero - Por Manoel Caboclo


O texto abaixo, extraído do livro “Eu, o índio e a floresta”, do poeta popular Manoel Caboclo, pode elucidar a origem histórica e cronológica dos conselhos mais famosos do Padre Cícero. Conta o autor em seu livro que numa conversa de Dr. Floro com seu pai, em Juazeiro, “Uma pessoa que estava ouvindo a história fez-lhe a seguinte pergunta: "Dr. Floro, por que mandou matar gente na "rodagem?" Respondeu ele: "Em 1923, tive que ir ao Rio de Janeiro, para na Câmara Federal defender Juazeiro. Eu e o Padre Cícero estávamos sendo acusados de sermos chefes de cangaceiros, ladrões e desordeiros. Nas grandes cidades nos consideravam como coiteiros do mal. Esta fama durou muito tempo,  de modo que uma pessoa de Juazeiro, não encontrava uma dormida em casa particular. Com meu conceito de Deputado, desfiz perante a Câmara e o Senado, tudo aquilo que se dizia de mal do Padre Cícero. Fiquei tão triste que tive vontade de ir embora, contudo permaneci para não deixar o padre naquele momento de perseguição e angústia. Resolvi então agir de maneira mais brusca com todos os malfeitores desobedientes. Os crimes eram tantos que os assassinos cruzavam de mãos sangrentas de uma a outra parte da cidade; os roubos eram tantos que obrigavam as famílias a recolherem-se às suas casas logo às primeiras horas da noite. Ninguém queria ocupar o lugar de delegado temendo os desordeiros e malfeitores."
MEDIDAS ADOTADAS. "Ao voltar desta viagem fui à casa do Padre Cícero e fiz ciente a ele do decreto por mim baixado (como faz todo Governo quando se sente desacatado, procurando punir o culpado). Logo na noite seguinte, o Padre Cícero fez uma advertência a todo o povo de Juazeiro, dizendo: "O Dr. Floro tem poderes Federais e baixou um decreto que visa punir os culpados". E logo fez o seguinte sermão: 
"Quem matou, não mate mais; quem roubou, não roube mais; quem mentiu, não minta mais; quem bebeu, não beba mais; quem jogou não jogue mais; quem foi desordeiro, não seja mais; quem levantou falso testemunho, não levante mais...
   No dia seguinte, em praça pública, li o decreto na presença de todos, dizendo: "Todos vocês que foram desordeiros, criminosos, ladrões, procurem não praticar mais o mal, porque de hoje a três dias, quem matar sem causa justa, morrerá; quem roubar, morrerá; quem desrespeitar as famílias, morrerá. Todos que continuarem na vida pregressa, terão morte na 'rodagem'. Passado que foi o prazo dos três dias, comecei a executar o decreto e muitos enquadrados tiveram morte certa. Em pouco tempo, em Juazeiro, reinou tranqüilidade entre as famílias, ninguém ouvia nem mesmo briga de casais. Se podia até mesmo dormir de portas abertas sem que nenhum mal lhe sucedesse. Se uma pessoa perdesse uma carteira com dinheiro, podia ir no outro dia que a encontrava com o mesmo dinheiro, no mesmo lugar. Juazeiro ficou de forma que era mais fácil se encontrar um tesouro encantado debaixo da terra, do que um ladrão roubar uma galinha no poleiro de uma casa sem dono".
O autor: Manoel Caboclo, poeta, editor de cordel e astrólogo. Editou durante muitos anos o famoso almanaque O Juízo do Ano em sua tipografia em Juazeiro do Norte. Cordelistra consagrado no Brasil. Seu nome verdadeiro é Manoel João da Silva. Nasceu em Caririaçu em 2 de janeiro de 1916 e faleceu em Juazeiro do Norte em 21 de julho de 1996. 

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O Padre Cícero fez a nascente República tremer de medo! - Dr. Napoleão Tavares Neves


Em 1897, quando, pressionado pela Congregação do Santo Ofício, o Padre Cícero teve de deixar Juazeiro dentro de 10 dias, viajando a cavalo para Salgueiro, a nascente República tremeu de medo do nosso humilde e obediente “Patriarca de Batina”, temendo que ele fosse para Canudos auxiliar Antônio Conselheiro. Como prova do que acima afirmei, basta que se leia o apressado telegrama do Governador de Pernambuco, Correia de Araújo, aos juízes e delegados de Polícia de Salgueiro, Leopoldina, Granito, Ouricuri e Cabrobó: “Constando Padre Cícero deixou Juazeiro do Crato procurando Canudos para auxiliar Antônio Conselheiro, vindo por Água Branca, peço informeis máxima urgência que há de verdade, bem como qual a distância entre Crato e o rio São Francisco”.
Portanto, o medo da capacidade de mobilização popular do Padre Cícero fez tremer os alicerces do Governo naquela conturbada ocasião, quando se misturavam no cadinho da História, os sonhos republicanos, os boatos sobre Canudos e os intrincados meandros da complicada “Questão Religiosa” do Juazeiro. Instalou-se, realmente, o pânico nos arraiais do Governo com medo de um padre humilde, modesto, pacífico e desarmado que tinha somente o povo a seu favor.
Quando o Padre Cícero estava homiziado em Salgueiro, Pernambuco, o Bispo de Olinda passou o seguinte telegrama ao Vigário de Salgueiro, Padre João Carlos Augusto, certamente pressionado pelo Governo que se sentia inseguro com os trôpegos passos da nascente República: “Padre Cícero está aí? Não posso aprovar sua responsabilidade qualquer ato mesmo aí. Não tolero pretensão agitar povo. Responda.” Nas entrelinhas do telegrama em epígrafe, nota-se o medo de todos de um humilde sacerdote que, desarmado, discriminado e abandonado pela própria Igreja, só tinha a seu favor a des-comunal força do povo que o seguiria a um simples estalar de dedo. A capacidade de mobilização popular do Padre Cícero abalava as bases do próprio Governo. Incrível!
O empresário cearense, então radicado no Recife, Delmiro Gouveia, tinha interesses comerciais em Salgueiro e estava intranqüilo com a boataria que cercava a permanência temporária do Padre Cícero naquela cidade pernambucana. Diante disto, contatou com o seu representante comercial em Salgueiro e dele recebeu o seguinte telegrama dizendo da ação conciliadora e até pastoral do Padre Cícero na terra de Veremundo Soares: “Questões daqui vão tomando caráter pacífico. Padre Cícero do Juazeiro tem sido incansável. Havia adjacências essa Vila cerca de trezentos homens em armas. Ele tem conseguido desarmar grande parte e retrair o resto. É possível em breve tempo entrarmos inteira calma.”.
   Efetivamente, durante a sua curta permanência em Salgueiro, o Padre Cícero conseguiu pacificar as famílias Farias e Maurícios que estavam em pé de guerra. Entre ambas o choque armado era iminente, mas a salvadora autoridade moral do Padre Cícero conseguiu desarmar os espíritos. Assim, enquanto o Padre Cícero pacificava Salgueiro, os boatos diziam que ele arregimentava homens armados para ajudar Antônio Conselheiro em Canudos. Todos o temiam, apesar da sua humildade e pacifismo. A imprensa, erradamente, encarregava-se de distorcer a sua benfazeja ação conciliadora por onde passava. Todos o temiam inclusive a nascente República que apenas engatinhava. O pânico tomava conta dos bastidores do Governo, em quase histeria coletiva e o Padre Cícero era o centro das preocupações. Certamente, foi o Padre Cícero o homem mais perseguido, caluniado e injustiçado do Brasil! Nem a sua Igreja o poupou!
Com medo do Padre Cícero, medo infundado e inconseqüente, o Presidente de Pernambuco, Correia de Araújo, instalou um Pelotão da Polícia Militar em Salgueiro, como estratégia para barrar a passagem dos romeiros do Juazeiro para auxiliar Canudos, coisa que nunca passou pela cabeça do nosso “Patriarca de Batina”. Era o pânico que tomou conta dos bastidores do Governo a partir de 1892. A situação era confusa: no cadinho das aspirações populares três fatos importantes dominavam o Nordeste: A República nascente, A Guerra de Canudos, A Questão Religiosa do Juazeiro com o Padre Cícero no ápice dos boatos. O sertão ardia em apreensões de toda ordem. E o Padre Cícero via tudo aquilo espantado, sem saber o que fazer. Anonimamente, usava Salgueiro apenas como plataforma de espera para a sua viagem a Roma. De Salgueiro mesmo ele telegrafara ao Papa Leão XIII e arrumava as malas para a grande viagem que equivaleria, nos dias de hoje, quase que, como uma viagem a lua.  Coitado do Padre Cícero que nada fizera para merecer tanto! Dizia-se que o Padre Cícero era muito rico, mas ele sequer teve dinheiro para a sua grande viagem, sendo necessário a ajuda de amigos. Pois bem, tempos depois, o Presidente Correia de Araújo viu que estava totalmente errado em relação aos seus infundados temores contra o Padre Cícero e procurou ajudar nas despesas da sua longa viagem a Roma. Antes tarde do que nunca. Enquanto isto, outros erraram contra o Padre Cícero e teimam no seu erro. Neste particular o radicalismo agrava os erros, enquanto o remédio do tempo mostra que o Padre Cícero foi o mais injustiçado e o mais perseguido dos brasileiros. Só isto e nada mais! Somente o tempo poderá sarar tais feridas e o vem fazendo à luz da História. Este modesto texto se insere neste contexto.
O Presidente de Pernambuco, Correia de Araújo, assombrado com os boatos de que o Padre Cícero deixara Juazeiro abruptamente para auxiliar Antônio Conselheiro em Canudos, telegrafou aos juízes Manoel Lima Borges, Olímpio Ronald, Honorato Marinho e Praxedes Brederodes, de Salgueiro, Leopoldina, Ouricuri e Cabrobó, respectivamente, com indagações sobre a ação do Padre do Juazeiro nestes municípios. Era “uma indagação repassada de temor não disfarçado”, segundo afirma o pesquisador, Dr. Frederico Pernambucano de Melo. Os citados juízes, por unanimidade, responderam ao Presidente do Estado que nada havia de concreto na boataria reinante. E assegura ainda Frederico Pernambucano de Melo: “Poucas vezes a história terá engendrado um mal entendido tão hábil em seu potencial deletério”.
   O Padre Cícero, sim, deixara Juazeiro contra a sua vontade, humildemente, para cumprir a ordem da Congregação do Santo Ofício, sob pena de excomunhão. Saiu do Juazeiro anonimamente e assim permanecia em Salgueiro, somente enquanto delineava os seus planos para a sofrida viagem a Roma, apenado que fora pelo Bispo do Ceará, em 1892 e 1896, tudo por conta do chamado “Milagre da Hóstia", de 1889. Ora, se ainda hoje não se explicou convenientemente o fenômeno da hóstia, como poderia o velho sacerdote explicá-lo naquela recuada época, como queria o Bispo do Ceará?
   Faz-se mister que o presente corrija as distorções do passado e lute pela esperada reabilitação do carismático sacerdote tão estigmatizado injustamente. Será a JUSTIÇA DE DEUS NA VOZ DA HISTÓRIA!

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

O GRÃO DE MOSTARDA EM JUAZEIRO DO PADRE CÍCERO Por: RODRIGO RIOS – diácono e jornalista.


Em uma de suas muitas parábolas, Jesus Cristo nos contou a do grão de mostarda, afirmando ser este uma pequeníssima semente que, ao ser plantada, cresce e se torna a maior das hortaliças, a ponto de poder abrigar pássaros em seus arbustos. O contraste entre a pequenez e o êxito de crescimento, Jesus utiliza para fazer entender o Reino dos Céus.

Todavia, o que tem a ver o grão de mostarda com Juazeiro de Padre Cícero, sugerido como tema deste artigo? Explicarei.

Recentemente, tive a oportunidade de ir em Romaria para Juazeiro do Norte (CE). Por ser nordestino, conhecia a história de Padre Cícero e, consequentemente, da cidade, junto aos diversos mitos existentes acerca deste sacerdote. Construí, assim, uma imagem, como a de muitos até hoje, de um Juazeiro não desenvolvido, pequeno, sem saneamento ou algum outro tipo de progresso, local de romarias, onde as pessoas iam em transportes com condições subumanas. Isto com certeza não me era nada atrativo.

Constatei no livro O Patriarca de Juazeiro, que lá recebi, ser esta a imagem de décadas atrás, quando Padre Cícero, nascido no Crato, foi enviado para Juazeiro. Segundo o autor, a localidade era “pouco mais do que um arraial desprezível, sendo retardatária, ignorante e pobríssima a sua população, cerca de mil e tantas almas, contadas as famílias de uma légua em redor; no povoado propriamente dito, havia umas cinquenta a sessenta casas, quase todas cobertas de palhas e de humílima aparência”.

Indo como verdadeiro missionário, Padre Cícero levou a presença de Deus para os que ali moravam, junto a um desenvolvimento inimaginável naquela época. Sendo o primeiro prefeito, fez história com suas iniciativas de progresso.

Atualmente, Juazeiro é considerado um dos maiores centros de religiosidade popular da América Latina, atraindo milhões de pessoas anualmente. Segundo o último censo do IBGE, a população do município é estimada em mais de 240 mil habitantes, que o torna o terceiro mais populoso do Ceará, sendo a taxa de urbanização de 95,3%.

De fato, o sacerdote plantou um pequeno grão de mostarda, desprezível para tantos em sua época, mas que hoje cresceu e se tornou viçoso, a ponto de deslumbrar quem visita Juazeiro nos tempos hodiernos

terça-feira, 24 de julho de 2012

Missa Campal celebra o Padre cícero


Como reza a tradição, na última sexta-feira, 20, foi celebrada a missa campal em aniversário de morte do padre Cícero Romão Batista, o “Padim Ciço do Nordeste”. Com o apoio da prefeitura de União dos Palmares, milhares de pessoas participaram da missa celebrada pelos padres Francisco Carlos e Marconi, além do seminarista Lourenço Junior, cujo palco foi a Praça Padre Cícero, no bairro de Fátima.
A missa contou com a presença do prefeito Areski Freitas, secretários municipais, músicos, entre outras autoridades locais. Durante toda a manhã, homenagens, canções, pagamento de promessas e rezas foram direcionadas ao padre, considerado santo pelos nordestinos, pelos fiéis, que segundo avaliação dos organizadores, foi maior do que em 2011. No final da santa missa, uma grande queima de fogos foi realizada pelos fiéis.
http://www.ama.al.org.br

10ª Cavalgada de Padre Cícero atraiu milhares de cavaleiros e amazonas

Neste domingo (22), o município de Lagoa da Canoa, localizado no Agreste alagoano, foi palco de uma das maiores manifestações culturais e religiosas do Estado de Alagoas. A 10ª edição da Cavalgada do Padre Cícero reuniu milhares de pessoas numa festa que, segundo os organizadores, ficou marcada como a maior da história canoense.
Os participantes também aproveitaram o evento para homenagear o saudoso Almir Lira, idealizador e fundador da cavalgada em homenagem ao "Santo Nordestino", que já entrou para o calendário cultural do Estado de Alagoas. Várias autoridades e lideranças políticas da região se fizeram presentes, com destaque para o deputado estadual Antônio Albuquerque.
A concentração dos cavaleiros e amazonas foi no povoado Mata Limpa, localizado há cerca de sete quilômetros da zona urbana. O grupo, formado por cerca de 1 mil pessoas montadas à cavalo partiram por volta do meio dia com destino à cidade de Lagoa da Canoa.
As primeiras paradas foram nos povoados Pau d’Arco e Capim. Por onde passavam, os cavaleiros e amazonas eram saudados pela população, que observava tudo das portas de suas casas. Em seguida o grupo seguiu até o trevo de Lagoa da Canoa (posto Alvorada), rodovia AL 115 sentido a Girau do Ponciano até o segundo trevo, passando pelas principais artérias da cidade até chegarem na Garagem Municipal, onde foi preparada uma recepção com farto churrasco para os participantes e convidados, sob a animação de Heleno do Forró e Banda.
A programação alusiva ao Padre Cícero foi iniciada dois dias antes, na sexta-feira (20), com a celebração de uma missa campal na Praça Padre Cícero, no centro da cidade. No sábado à noite, show em praça pública com Mano Valter e Ivaldo Maceió, que tocaram o que há de melhor em forró.
http://minutoarapiraca.com.br

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Boca da Mata será nesta sexta-feira a ‘Juazeiro’ alagoana


A exemplo dos últimos anos, a cidade de Boca da Mata mais uma vez promete se transformar nesta sexta-feira (20), a partir das oito horas da matina, em um cenário igual a Juazeiro do Norte, no Ceará.
É que milhares de fiéis nordestinos devotos de “Padim Ciço Romão Batista” tomam as ruas da cidade, para celebrar a passagem da morte daquele ídolo religioso, que deixou esse mundo há 98 anos.
O religioso tinha a cidade cearense do Juazeiro como palco de suas pregações e até hoje o local continua ganhando visitantes e devotos entre o povo religioso do Nordeste, graças a sua pregação.
O prefeito de Boca da Mata, José Tenório, disse que este ano os visitantes vão deparar com a ampliação e modernização da praça que leva o nome do religioso homenageado, onde também foi colocada uma gigante estátua com cerca de cinco metros de altura, vinda há cerca de 20 dias exclusivamente do Juazeiro.
A Praça Padre Cícero fica em frente à Igreja Matriz, onde tradicionalmente se concentra toda a multidão, na sua maior parte oriunda da procissão que percorrerá as principais avenidas da cidade.
O arcebispo Dom Valério Brêda, mais uma vez, é quem celebrará a missa campal, onde são esperadas aproximadamente dez mil pessoas, conforme previsão de seus organizadores. 
(www.tribunahoje.com)

Quantas saudades!


Meu padrinho, foi naquele fatídico 20 de julho de 1934 que o senhor mergulhou no sono eterno. Foram dias de muita melancolia e muitas lágrimas. Juazeiro e todo sertão estavam tristes. Perdíamos nosso mentor, nosso guia, nosso líder. Ah meu padrinho, quanta saudade o senhor deixou entre nós!
Mas fizemos desta saudade a nossa fortaleza e seguimos os seus preceitos. Em cada casa um altar na sala e uma oficina no quintal. Com isso, edificamos esta cidade, de uma pequena vila para uma metrópole regional.
Cada edifício construído, cada loja instalada, cada faculdade, tudo é feito em sua honra. Meu padrinho, o senhor é a alma deste lugar. Sua chama está presente em todos os corações juazeirenses, inclusive nos mais novos, estes que não o conheceram, mas são orgulhosos por fazerem parte de sua história. Uma história que não se encerrou naquele 20 de julho,  perpetua-se, portanto, ao longo dos anos.
Meu padim, o senhor disse que Juazeiro é seu filho. Arriscamos afirmar que seus afilhados se espalharam por todo o interior do Nordeste formando uma grande nação. Sua cidade se tornou um dos maiores centros de peregrinação do país. Há quem diga ser isto tudo mero fanatismo. Coitados! Não entendem a pureza de ser romeiro. Não entendem que Pe. Cícero Romão Batista é mais uma chama guardiã dos desígnios de Jesus. Mas estes fazem parte de uma pequena minoria. Quem estuda de verdade a sua história ganha a inspiração para defendê-la,  inclusive em teses internacionais!
Em mais um momento de oração pela sua partida, a nação romeira se une numa grande reflexão e garante: continuaremos seguindo seus ensinamentos, as famílias preservarão a tradição da renovação, a população sempre transformará a procissão das Candeias num “mar de luzes”.
Sabemos que o senhor fez uma promessa no seu leito de morte, mas mesmo assim fazemos um humilde pedido: Continue rezando por nós no Céu!

Dr. Paulo Leonardo Celestino
Cirurgião-dentista

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Faltou pano preto na missa do Padre Cícero

Depoimento de Assunção Gonçalves
Quando Padre Cícero morreu muita gente já foi ao seu enterro vestindo roupa preta em sinal de luto. Mas no dia de sua missa do sétimo dia a multidão que compareceu à igreja vestindo luto foi extremamente grande. Esgotou-se em poucas horas todo o estoque de tecido de cor  preta existente nas lojas do Cariri e como não foi possível chegar nova remessa de Fortaleza, muitas pessoas adotaram uma solução interessante e que deu certo. Compraram tecido de outra cor e tingiram de preto, usando um preparado feito com semente de jucá. As pessoas pilavam a vagem de jucá e faziam um chá que depois era misturado com lama do rio Salgadinho e aí a roupa era imersa por algum tempo. O resultado era um tecido de cor escura que servia perfeitamente para se confeccionar roupa de luto. Só assim foi possível tanta gente comparecer à missa do sétimo dia da morte de Padre Cícero vestindo roupa preta. Como Padre Cícero pediu em seu testamente que no dia da sua morte fosse celebrada uma missa em sufrágio da sua alma, até hoje esse costume é respeitado e muita gente vai à missa vestindo roupa preta ou branca (também cor usada como luto). No começo a roupa preta era mesmo em sinal de luto; depois a roupa preta passou a ser usada como compromisso assumido por causa de graça alcançada. As pessoas fazem promessa para ir à missa e passar o resto do dia com roupa preta, quando o pedido é atendido. E pelo visto o costume pegou e aumenta a cada missa. Quem visita Juazeiro no dia 20 de cada mês, fica admirado de ver tanta gente andando nas ruas vestindo preto.   

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Sesi Taubaté apresenta a mostra Meu Padim – Nossa Fé


De 2 a 16 de julho, o público da unidade poderá conferir mostra gratuita sobre a fé em Padre Cícero que mobiliza muitos devotos para a festividade comemorativa de sua morte. A entrada é franca.
A mostra Meu Padim – Nossa Fé é composta por 16 fotos coloridas que retratam as emoções desencadeadas pela fé, simplicidade e dedicação deste povo que não deixa de comparecer em massa ao evento que ocorre todos os anos desde a morte do Padre Cícero. Em cartaz de 2 a 16 de julho, a exposição estará aberta à visitação pública gratuita todos os dias, no Sesi Taubaté.
O fotógrafo Carlos Alberto Nogueira lança o olhar não só sobre os romeiros, mas também sobre as alegorias e objetos espontaneamente produzidos por eles, sempre carregados com o colorido, a criatividade e simplicidade espontânea, própria do povo do nordeste. Todas as fotos foram feitas em Juazeiro do Norte durante a romaria do Padre Cícero em novembro de 2006.
De acordo com Nogueira, sua intenção é captar as emoções puras e verdadeiras do fiel para transportar o observador até o sertão do Cariri. “E fazer com que ele sinta a fé e a dedicação deste povo, que não mede esforços para estar ali ao lado da memória do Padim”, completa.
Sobre o fotógrafo
Carlos Alberto Nogueira Carreira começou a fotografar em 1987, quando conseguiu comprar sua primeira máquina fotográfica. Adquiriu muita experiência fotografando e estudando de forma autodidata, inicialmente clicando a natureza e atividades de ecoturismo. Mas, rapidamente, o dia-a-dia das cidades lhe chamou a atenção do olhar e, logo, ele ganhou muita experiência no controle da luz fotografando shows e espetáculos diversos.
Porém, o seu maior interesse sempre foi o Homem Brasileiro e suas manifestações culturais: festivas, religiosas, e o seu dia-a-dia, quando inserido no próprio contexto, no qual protagoniza seu modo de viver, trabalhar, se divertir e se emocionar, sendo este o tema que explora com maior prazer.
SERVIÇO
Exposição Fotográfica Meu Padim – Nossa Fé
Local: Sesi Taubaté – Rua Voluntário Benedito Sérgio, 710, Bairro Estiva
Datas e horários: de 2 a 16 de julho – segunda a sexta-feira, das 8h às 20h; sábado, domingo e feriado, das 9h às 18h.
Informações:  (12) 3633-4699

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Terra abençoada - Dr. Paulo Leonardo Celestino Oliveira


   Percorrendo este vasto sertão nordestino, tive a oportunidade de participar de algumas rodas de conversas em meio à tranquilidade dos sítios. Numa destas conversas, o assunto predominante era a seca que assola a região neste ano de 2012, fazendo os agricultores perderem suas plantações e os criadores de animais assistirem à morte de seus rebanhos frente à falta d’água.
   Diante de minha presença, os mais velhos relembravam as antigas secas, principalmente as do começo do século XX. A população da época, sem qualquer ajuda dos governos, e diante da total falta de alimentos, tinha como último refúgio uma pequena cidade situada em um verde vale e protegida por um padre conselheiro. “Vamos para o Juazeiro do Pe. Cícero!” – assim falavam. E vinham da Paraíba, Pernambuco ou Piauí com toda a família a pé. Ao chegarem por aqui, imediatamente procuravam o Pe. Cícero para ouvirem seus conselhos para a estadia nesta nova terra.
   Ouvindo estes relatos, é impossível não se emocionar e não se envaidecer cada vez mais pelo orgulho a esta terra abençoada. Que tamanha é a influência que o Pe. Cícero e Juazeiro do Norte exercem sobre o sertão nordestino! Somos um verdadeiro “farol da esperança” para este povo sofrido, mas perseverante. Que privilégio nascer e morar na região do Cariri!
   Voltando à roda de conversas, os participantes passaram a discutir os poucos efeitos da seca na população de hoje. Uns afirmando que se devem aos programas sociais do Governo Federal, outros apontando o avanço dos meios de comunicação, como a televisão e a internet. Novamente a sabedoria dos mais experientes vem à tona quando um deles comenta: “para mim, o maior avanço foi a construção das estradas”. De fato, sem o advento de bons acessos para as cidades, ficaria muito difícil a logística de transporte de alimentos e água para as pessoas atingidas pela seca. Antigamente era assim: muitos ficavam isolados e morriam de fome ou sede.
   Na verdade todos estes fatores trabalham em conjunto. Contudo, em pleno século XXI, é inadmissível parte da população brasileira ainda depender de carros-pipa e ajuda humanitária para enfrentar um fenômeno natural de uma região, o qual se repete frequentemente.
   Para nós caririenses, apesar de não vivenciarmos esta realidade de extrema estiagem, fica a necessidade da consciência para a preservação das nossas fontes e reservas do líquido mais precioso e fonte da vida: a água. Se questões como o desmatamento desenfreado para a especulação imobiliária, a poluição dos rios e lagoas pelos esgotos das cidades, e a existência de lixões sem o devido tratamento forem deixadas de lado, num futuro bem próximo poderemos pagar um preço muito alto. Ou só daremos o devido valor para nossas águas quando estivermos perto de perdê-las?

O autor é juazeirense, odontólogo, editor do blog www.cidade.jua

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Oração ao Padre Cícero


O Padre Cícero é com certeza um caso especial na história da religião católica apostólica romana. Não foi ainda canonizado pelo Vaticano, mas é tido como santo por uma imensa legião de devotos e sua santidade é hoje aceita por muitos padres e bispos, até cardeais. Em muitas igrejas, principalmente no Nordeste, está no altar. Mesmo sem ser sequer beatificado oficialmente goza de um privilégio: o de ter direito a oração. No site www.catequisar.com.br de orientação católica romana, no qual muitos bispos escrevem, existe uma oração ao Padre Cícero inserida na seção Oração aos Santos, a qual é mostrada abaixo conforme está no site:

Orações aos Santos 
Orações de intercessão junto aos santos.
 
06. Padre Cícero

 
Ó Deus, Pai dos pobres, que inflamastes o coração do Padre Cícero com um grande amor para com os desamparados, sem casa e sem terra e o transformastes no grande Conselheiro do Povo Nordestino e no zeloso incentivador da devoção ao Rosário e da veneração de Nossa Senhora Das Dores, recompensai esse grande apóstolo com o descanso de sua vida atribulada e com as alegrias do paraíso.

Fazei fugir no Nordeste e em todo o Brasil muitos sacerdotes, imitadores do Padre Cícero, voltados para a pobreza material e espiritual do povo que busca a salvação, para que nos ajudem a aumentar a nossa fé, única riqueza verdadeira.

Que Nossa Senhora das Dores, Mãe fiel ao pé da cruza, dê força ao nosso pedido e nos alcance o que desejamos.

Por Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.

Obs: O Padre Cícero Romão Batista nasceu no Crato, em 1844, e exerceu o sacerdócio em Juazeiro do Norte, Ceará. O Padre Cícero não foi canonizado, mas ele fez muita caridade, tanto assim que o povo bom e religioso de Juazeiro o tem como uma santa pessoa. O cangaceiro "Lampião"costumava visita-lo e escutava os conselhos que o padre lhe dava. Chamava-o de padrinho: O Padrinho "Ciço".
E já que estamos discutindo o assunto vale a pena também destacar o que publiquei no blog de Monsenhor Murilo www.monsenhormurilo.zip.net 

Agora é o caso de se perguntar: Por que a Igreja não oficializa logo canonização do Padre Cícero, legitimando uma coisa que de fato já existe?


quinta-feira, 26 de abril de 2012

Padre Cícero: entrevista histórica ao jornal O POVO

Em 18 de fevereiro de 1931,  o então jornalista Paulo Sarasate, do jornal O POVO, de Fortaleza, conseguiu importante entrevista com o Padre Cícero, na época já com avançada idade. A entrevista é histórica, embora tenha sido conduzida de forma pouco respeitosa, sendo até motivo de gozação por parte do entrevistador, conforme se pode constatar durante a leitura. Abaixo publicamos a foto do jornal mostrando a publicação da entrevista e em seguida o texto é transcrito.

Os jornalistas Paulo Sarasate e Alpheu Aboim, que estiveram no interior do Estado, a serviço, desta folha, visitando há poucos dias Joaseiro, apanharam a seguinte entrevista com o Padre Cícero, escripta pelo primeiro, especialmente para O POVO:
Joaseiro, 12 (Via Postal) - Seriam precisamente 13 horas de hontem quando nos dirigimos à residência do Padre Cícero, com o intuito de entrevistá-lo para O POVO.
Transposta a grande praça em que se ergue, dominadora, a estatua do padre, dahí a alguns passos penetramos na travessa onde o mesmo reside, numa vasta casa, em companhia da beata Mocinha.
Era outro o ambiente. Inteiramente outro. Ao aproximar-se da residência do Padre Cícero, Joaseiro como se transforma subitamente. Toma outro aspecto. De cidade movimentada e alegre, empório comercial dos mais florescentes do sul do Estado, como se apresenta nas demais artérias públicas - transfigura-se ali, nas cercanias da mansão, patriarchal, num verdadeiro fóro de fanatismo. Não é mais a cidade clara e sorridente do Cariry, agitada pelo lufa-lufa quotidiano dos que trabalham: é o villarejo inculto e retardado, a nova e pacífica Canudos dos sertões nordestinos, com a figura tradiccionalmente discutida do padre e a ignorancia contristadora dos romeiros.
Defronte da casa e um pouco ao lado, quatro ou cinco tendas, armadas ao sol, recheadas de "santos, medalhas e rosários para vender", desafiavam o ambiente escuro com o berrante desencontrado das cores. Eram medalhas e santos de todas as qualidades, inclusive o "Santo do Joaseiro".
Na calçada ao longo das sete janellas e principalmente na porta que estava apinhada, cerca de quarenta romeiros aguardavam resignados a ocasião para elles benfazeja de avistarem-se com o Padre Cícero. Alguns esperavam de joelhos, resando, e um ou outro protestava contra a demora, especialmente uma mulherzinha nervosa, franzina, maltrapilha, que não se cansava de chamar pela beata, aos gritos, no anseio mystico de beijar as mãos milagrosas de "meu padrinho".
A beata Mocinha - lembre-se aqui num rápido parêntese - é a principal intermediária entre o padre e os romeiros. Sem a interferencia della, que tudo manda e tudo pode naquelle tecto, coisa alguma se consegue.

À Espera do Patriarcha 
Mal conformados com a atmosphera irrespirável e repugnante que foramos encontrar ali deplorando profundamente aquelle estado criminoso de retardamento mental, homens, mulheres e crianças mergulhados no mais revoltante estado, conseguimos a custo entrar na residencia de Padre Cícero.
Fizemo-nos anunciar por um porteiro e ficamos na saleta de entrada à espera do nosso homem. A beata Mocinha que ali estivera a conversar com umas romeiras, assustou-se com a nossa presença e esgueirou-se manhosamente pelo corredor, desaparecendo de uma vez. Trancou-se em seu quarto, o que nos informaram e não fosse a nossa argúcia, não teria sido vista mais tarde, com o cabello cortado à la home, e as vestes negras, tumularmente negras, a escutar por tras de uma porta a palestra que mantivemos com o patriarcha do Joaseiro. Enquanto este chegava, puzemo-nos a examinar a sala de visitas. Admirávamos os retratos da mãe do padre e de seu pae, já falecidos. Olhámos uma photographia do mesmo ao lado do ex-senador João Thomé passamos a vista por outros quadros e dali a segundo estamos conversando com 

Uma Contemporanea da Beata Maria de Araujo 
Era uma mulherzinha já idosa, cabellos brancos, fala arrastada. Disse-nos que assistira os milagres da tão controvertida Maria de Araujo e nos jurou a pés juntos que tinha visto certa vez uma hostia jorrar sangue, quando um sacerdote acabara de tomá-la nas mãos para depô-la nos lábios da beata.
"Vi esse facto com estes olhos que a terra há de comer", disse-nos por fim a nossa interlocutora, com uma segurança quase convincente.

Com o Padre Cícero 
Mais alguns minutos decorridos e lá se veio o padre à nossa presença. Pensávamos encontrá-lo abatido, dominado pelos 87 annos de idade que tem vivido, mas deparãmo-lo relativamente forte, andando ligeiro e falando apressado.
Abraçou-nos cordialmente, os lábios rasgados num riso franco e jovial, olhar prescrutador e conduziu-nos immediatamente a seu gabinete à direita do prédio.
- Padre Cícero - começámos geitosamente - somos do O POVO e queremos uma entrevista sua. Algumas palavras sobre o movimento brasileiro.
- "Não", respondeu-nos de prompto, com uma resolução que podia parecer definitiva, "Por óra não posso falar. Estou de resguardo..." 

Um Espectador dos Acontecimentos 
Rimos conjuntamente da pilheria e deixamos que elle prosseguisse.
"Eu agora sou apenas um espectador dos acontecimentos. Aprecio os factos e olho as coisas com uma grande vontade de que tudo se faça como eu desejo." 
E iniciando sem pressentir a entrevista que solicitaramos; 
"A futura Constituição, por exemplo, não deve ser athéa. O Brasil é uma nação catholica e precisa viver com Deus. Sou partidário da Egreja unida ao Estado, porque sou catholico, apostolico, romano, e me oriento pelo credo, que é o symbolo da Religião e da Fé. Deus é quem governa o mundo. Só o Creador é universal e absoluto."
Resolvemos cortar a digressão philosophica do padre, que prometia prolongar-se, e interpellámo-lo sobre o movimento revolucionário.
"É agora" - respondeu-nos com um desembaraço de phases que bastante nos admirou e que se fez sentir em toda a palestra - é agora o momento oportuno para se fazer um Brasil novo, com um futuro brilhante e cimentado em princípios divinos.
Como se vê, o Padre Cícero raramente se afasta da idéia de Deus. Toda a sua conversa, desenvolta e não raro brilhante, é pontilhada desse espírito religioso dessa quase obsecação theologica.
E assim continuou elle a falar cobre

O Movimento revolucionário

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- "A Revolução foi uma intenção que Deus entregou aos brasileiros para se libertarem. (Nota: Padre Cícero refere-se ao movimento revolucionário de 1930, que reuniu mineiros, gaúchos e paraibanos e derrubou o então presidente Washington Luiz e levou Getúlio Vargas ao poder). Os homens põem e Deus dispõe. Os homens deram impulso à Revolução e Deus ordena que se faça um Brasil novo e grande, debaixo de princípios que sejam a manifestação da vontade do nosso povo. Eu desejo que os novos governantes sejam sobretudo administradores e não donos de uma grande fazenda, como vinha acontecendo até agora. Que a nação os faça, os eleja zeladores e defensores da Pátria e do povo e não senhores de uma senzala, para venderem-na aos pedaços, a quem mais dér."
Tudo isso o Padre Cícero ia dizendo pausadamente, medindo as palavras, mas com gestos largos e repetidos, extendendo e abrindo os braços, principalmente o esquerdo, que elle movimenta com mais freqüência, óra puxando o lenço, óra ageitando os óculos. Os óculos de tartaruga esverdeada com que procura aliviar-se da catarata impertinente que lhe annuvia a vista, enbranquecendo-lhe o azul brilhante dos olhos...

Juarez Távora 
- Que pensa de Juarez Távora? (Nota: Juarez Távora era então ministro do governo Getúlio Vargas, no qual esteve entre 1930 e 1933. Mais tarde, em 1964, Távora foi ministro de Castelo Branco. Como militar, participara desde 1922 de levantes contra o Governo Federal, inclusive a Coluna Prestes. Em 29, rompeu com Luis Carlos Prestes, depois que este assumiu sua adesão ao comunismo, e participou do bloco de sustentação da Revolução de 30)
- "É um homem distincto e bravo" - explicou vivamente quase a nos cortar a pergunta.
E insistiu, sempre dominado pela mania religiosa:
- "É um dos elementos que Deus destacou para fazer uma Pátria nova e feliz.
- Confia por inteiro na acção de Juarez?
- "Tanto assim não posso adentrar. Mas conheço sua família e a sei catholica. Sou até padrinho do Adhemar, irmão do Juarez, e da Benigna, irmã delle. Tive cuidados e vexames enormes quando elle vinha como um dos chefes da Revolução, em vinte e seis. Já desejava é que elle se salvasse, se desligasse della, para não morrer. Também me preocupei muito, naquelle tempo, com a sorte do dr. Távora, que esteve perseguido.
E passou o padre a contar a história de um positivo que mandara a Fortaleza, naquelles tempos sombrios da 2° Revolução, destinado exclusivamente a avisar ao actual interventor do Ceará que se retirasse do Brasil, porque do contrario seria preso.
- "Mandei até dizer-lhe - concluiu - que não se fiasse absolutamente na proteção de Moreirinha, que esta não valeria nada.

Vocês sabem melhor do que eu...
Qual seria a opinião do Padre Cícero Romão Batista sobre os governos depostos? A sua opinião de agora?
Atacamos o assumpto.
- Que pensa do sr. Washington Luiz e seu governo, padre?
- "Não penso nada. Não quero emittir juízo sobre quem já morreu." 
E prosseguindo, contou-nos sorridente que já estava até de amizade encerada com o Cattete succedendo o mesmo com relação aos srs. Julio Prestes e Matos Peixoto (Nota: o paulista Julio Prestes, apoiado pelo Governo Federal, disputou as eleições de 1930 contra Getúlio Vargas. E venceu. Mas o movimento de outubro de 30 impediu de assumir a presidência. Precisou pedir asilo ao Consulado da Inglaterra). Nunca lhes desejou mál nem o deseja agora, porque costuma mesmo pedir bençãos para todo mundo.
- "O que eu quero - disse-nos textualmente com aquella philosophia toda sua - é que os máus se convertam e vivam. Cada indivíduo seja bom e perfeito - e progrida.
Nada conseguiramos a respeito do sr. Washington. Seria conveniente tentar ainda a sua opinião sobre o sr. Peixoto? Arriscamos: - Que diz do governo Peixoto? (Nota: Matos Peixoto havia sido eleito presidente do Estado do Ceará em 1928).
- "Também não digo nada - replicou o nosso entrevistado. E explicou com um traço mal disfarçado de ironia: - Não digo nada porque vocês sabem melhor do que eu..."
A seguir, como alguém avançasse na roda que o casal Matos Peixoto era atheu, o Padre Cícero, satisfeito, vaidoso, procurou convencer-nos de que modificara o pensamento anti-religioso do ex-presidente e sua senhora, quando ambos visitaram o Joaseiro.

Getúlio e Epitácio 
Faltava ouvir o pensamento do padre sobre o chefe do governo provisório. Foi o que fizemos a seguir, para obter a seguinte resposta:
- "Desejava calar sobre o dr. Getúlio Vargas porque estamos muito longe. Más só tenho razões para julgá-lo um homem de bem. Já tive até relações com elle, por telegramas, quando era ministro da Fazenda e mesmo quando foi presidente do Rio Grande. Desejo-lhe, pois, muitas felicidades e digo isso sinceramente, muito sinceramente.
Conheciamos a admiração do padre pelo sr. Epitácio Pessoa e por isso não foi com surpresa que o ouvimos logo depois desfazer-se em elogios ao ex-presidente da República, um dos maiores homens do país segundo o seu modo de pensar.

Os Ministérios do Padre Cícero 
Muito loquaz, espantosamente loquaz, o patriarcha do Joazeiro tomara gosto pela palestra e não se cavala mais um segundo. Era uma verdadeira machina falante, a emitir opiniões sobre os mais variados motivos. E destarte, por sua conta, atacou a questão dos ministérios.
- "Em vez de se salvar o país com impostos e empréstimos (o Padre Cícero é um ardoroso inimigo dos empréstimos e das concessões estrangeiras em vez disso, os dirigentes da pátria devem criar um novo ministério, destinado especialmente a desenvolver as nossas riquezas naturaes, as grandes riquezas que Deus nos deu. Faça-se, pois, um Ministério das Minas e Florestas. É assim que se deve crescer e não vendendo o país aos estrangeiros. Elles comem as bananas e nos atiram as cascas.
Outra impressionante faceta do espírito do Padre Cícero é o seu apegado ao amôr pelos acontecimentos históricos e pelo que se passa nos países de além-mar. Em seu gabinete, pouco abaixo de uma photographia sua, ainda seminarista, vê-se, colorida, uma estampa intitulada "Pantheon universéle des personages más celebres". No decorrer das palestras, de vez em quando elle cita um facto histórico, relembra outro, evoca um heroismo, de modo a mostrar erudição no assumpto.
E nestas condições, para defender a thése do Ministério das Minas, foi parar connosco na longinqua Persia.
- "Calculem - accentuou-nos - que um homem semi barbaro, como o imperador da Persia, tratou do assumpto, em seu país, e organizou várias commissões para explorar as minas daquella região. Imitemos, pois, o imperador dos persas".
Concordámos habilmente com a maioria de pensar do velho sacerdote - elle proseguiu: 
- "E, se fôr possivel, criamos também um Ministério de Culto, Ensino, Sciencia, Hygiene e Bons Costumes, para melhor realizar a reconstrução moral do país. Feito isso, eu ficaria satisfeito, certo de que tudo estava nos eixos."

A Punição dos Culpados 
- "Qual a sua opinião sobre o Tribunal Revolucionário?"
- "Eu me calo a respeito, porque não conheço substancialmente os seus princípios de existência.
- Mas acha que os culpados devam ser punidos?
- "Nessa matéria - replicou o padre, sustentando os óculos - nessa matéria eu não sou professor certo. Theoricamente, em princípio, sou pela punição. Mas na prática, a meu ver, as cousas não saem certas. E a condemnar inocentes é preferivel perdoar, que é sempre melhor e mais agradável.

O Imposto territorial 
Tratando-se, no momento, de assumptos políticos exclusivamente, há de parecer estranho aos leitores o sub-título acima: o imposto territorial. A verdade, no entanto, é que, sem querermos, fomos forçados a ouvir uma longa exposição do Padre Cícero a respeito dessa tributação, que elle considera iniqua, odiosa, injustificável. Tem uma verdadeira ogerisa ao referido imposto e está obsecado, profundamente obsecado pela idéia de combatê-lo.
E é somente por isso, unicamente pela vontade do entrevistado, que se tóca aqui na matéria tributária em apreço.

O Communismo, o Apocal'ypse e o Fim do Mundo 
Para encerrar a palestra, que já se prolongava, interrogámos o thaumaturgo do Joaseiro sobre o communismo. E foi com extraordinária vontade de rir que lhe escutámos a opinião.
- "O communismo - afirmou espontaneamente o Padre Cícero - foi fundado pelo demonio. Lucifer é o seu nome e a disseminação de sua doutrina é a guerra do diabo contra Deus. Conheço o communismo e sei que é diabólico. É a continuação da guerra dos anjos máus contra o Creador e seus filhos.
Tomou alento e prosseguiu mais pathetico:
- "Conheço a Russia desde a minha meninice e sei que ella é um campo imenso de assassinatos, commetidos por governos que querem destruir moral e mentalmente a nação. Lenine foi um sargento do exercito e nada mais. Era, além disso, um judeu pelo espírito e pelo sangue. Só os seus discipulos consideram-no um grande homem. Os espíritos sensatos não pensam desse modo. O partido de Lenine é o partido do Anti-Christo, dito e annunciado por S. João, no Apocalypse. E chegar a governar o mundo, quando faltarem três anos para o incendio final, porque tudo isso está escrito nos livros santos...

A Vaidade do Padre Cícero 
Estava terminada a entrevista. Convidamos, então, o Padre Cícero pra se deixar photographar ao nosso lado. Elle accedeu de bom grado, alegremente, mas insistiu numa coisa: fazer a barba e mudar a batina para não apparecer velho na photographia...

O Retrato retirado 
Dahi a pouco, ao sairmos da casa do bondoso padre, ouvimo-lo accentuar na despedida, como se alguém lá dentro tivesse aconselhado quando elle foi mudar a batina: - "Olhem bem: eu não sou inimigo do Peixoto!" 
Um dos presentes, porém, chegou-se-nos ao ouvido e apontando para a sala de visitas adentrou-se maldosamente que não estava mais ali, como de costume, o retrato do presidente deposto...

"Eu também sou rico"
Saímos. À porta era maior o número de romeiros. A onda avolumara-se pouco a pouco, para augmentar, talvez, a nossa desolação ante aquelle ambiente asphyxiante de miseria e fanatismo.
E um homem palido, barba crescida, immundo e asqueroso, revoltado por não ter merecido ainda o favor de ser recebido pelo "padrinho", atirou à nossa passagem estas palavras ironicas e morzades humanamente philosophicas:
- "Deixem-me entrar que eu também sou rico! Eu também sou rico!"

Do Crato e Juazeiro
Padre Cícero nasceu na Vila Real do Crato, no dia 24 de março de 1844. Decidiu tornar-se padre já aos 12 anos, quando fez votos de castidade. Estudou no colégio Padre Rolim, em Cajazeiras (PB) e, depois, no Seminário da Prainha, em Fortaleza, onde se ordenou em novembro de 1870, aos 26 anos. Dois anos depois, fixou residência no então povoado de Juazeiro do Norte. 

Líder político
Durante boa parte de sua vida, Padre Cícero foi extremamente influente não somente no plano religioso, mas também nas suas concepções sobre política e economia. Por aliar-se às forças ditas conservadoras do Estado, o "Santo de Juazeiro" foi muitas vezes chamado de coronel. Líder político da região do Cariri e do restante do Estado, o sacerdote foi eleito prefeito de Juazeiro, deputado federal e vice-presidente do Ceará, cargos que não assumiu "para não abandonar os fiéis".

Sinal de Deus
Foi a partir dos fatos extraordinários de 1889, quando a hóstia teria se transformado em sangue no instante da comunhão da beata Maria de Araújo, que a legenda se cristalizou de vez. O milagre potencializou o mito. Os desvalidos foram em massa para Juazeiro do Norte. Na opinião da Igreja Oficial, o milagre seria uma farsa. Porém, na visão popular, aquilo era um sinal de Deus. A figura do mito tornava-se irreversível. 

"Padim Cícero"
Padre Cícero foi padrinho, amigo e protetor de Lampeão. Em 1926, providenciou para que Lampeão fosse nomeado capitão pelas autoridades federais, com o objetivo de combater a Coluna Prestes. Os cangaceiros, sabe-se, tinham como forte marca a religiosidade. 

Floro Bartolomeu
Para muitos, Padre Cícero tinha o seu alter-ego: Floro Bartolomeu, apelidado de "Satanás de Juazeiro". Implacável com seus inimigos, Floro ganhou a confiança do sacerdote e tornou-se seu mentor para assuntos políticos.

Sedição de Juazeiro
Padre Cícero foi uma das figuras centrais de um movimento no Ceará chamado "Sedição de Juazeiro". Com o pretexto de acabar com o fanatismo e o banditismo no Cariri, o então presidente do Estado, Franco Rabelo, entrou em rota de colisão com Padre Cícero. Foi entre 1913 e1914. Tropas enviadas por Franco Rabelo ao Crato tentaram invadir Juazeiro do Norte, em combates que duraram um mês. Juazeiro resistiu com as tropas formadas por beatos e cangaceiros fiéis a Padre Cícero, comandadadas por Floro Bartolomeu. O "Batalhão Patriótico", como ficou conhecido, chegou a Fortaleza em março de 1914 e derrubou o governo de Franco Rabelo.

Juarez Távora era então ministro do governo Getúlio Vargas, no qual esteve entre 1930 e 1933. Mais terde, em 1964, Távora foi ministro de Castelo Branco. Como militar, participara desde 1922, de levantes contra o Governo Federal, inclusive Coluna Prestes. Em 29, rompeu com Luís Carlos Prestes, depois que este assumiu sua adesão ao comunismo, e participou do bloco de sustentação da Revolução de 30.
O Paulista Júlio Prestes, apoiado pelo Governo Federal, disputou as eleições de 1930 contra Getúlio Vargas. E venceu. Mas o movimento de outubro de 1930 o impediu de assumir a presidêmcia. Precisou pedir asilo ao consulado da Inglaterra.
Matos Peixoto foi presidente do Estado do Ceará entre 1928 e 1930.
O coronel Alpheu Aboim, o jornalista Alpheu Aboim, Padre Cícero e Paulo Sarasate: barba feita para não parecer velho
O coronel Alpheu Aboim, o jornalista Tiago Otacílio de Alpheu, Padre Cícero e Paulo Sarasate: barba feita para não parecer velhoArquivo O Povo