domingo, 23 de março de 2014

Juazeiro do Norte comemora 170 anos de Padre Cícero Romão

23.03.2014
O aniversário será lembrado com várias atividades, entre elas uma Caravana que percorrerá o Brasil


Sacerdote ainda é venerado por milhares de fieis
de muitas regiões do Nordeste.
Foto: Eduardo Queiroz
Juazeiro do Norte. Um santo, visionário, profeta, conselheiro das massas ou um homem extraordinário. Todas essas definições podem caber muito bem para o cearense que ultrapassa as fronteiras da transcendência. Aos 170 anos de aniversário, completados amanhã, o Padre Cícero Romão Batista, 80 anos após a sua morte, chama a atenção de estudiosos de diversas partes do mundo.

Livros lançados sobre sua vida se tornam best-seller ou são até reeditados depois de quatro décadas. As obras também tornam-se produtos atrativos para uma boa leitura, pela análise de sua história.


Diante da dimensão da data de aniversário do religioso tão conhecido pelo Brasil afora, a partir da próxima quarta-feira, 25, sai por diversos estados do Brasil a Caravana do Meu Padim, com várias relíquias do sacerdote e do município de Juazeiro do Norte.

O caminhão, que leva muitos pertences importantes do religioso, irá percorrer os municípios brasileiros com uma instalação itinerante e bem diversificada para atrair olhares de curiosos e também de pesquisadores.

O percurso de milhares de quilômetros a ser seguido pela caravana pelo País afora, ainda é indefinido quanto à quilometragem. Durante a viagem serão colhidas assinaturas durante a viagem, para serem entregues ao Papa Francisco, como forma de chamar a atenção para o processo de reabilitação.

Os documentos pertinentes ao assunto já foram entregues pela comissão de reabilitação à Congregação para a Doutrina da Fé, em 2006. Ainda hoje não se tem nenhuma informação sobre o andamento do processo.

História e estudos

Muitas são as atividades para lembrar o
aniversário natalício do religioso, tão amado
 por seus devotos, entre elas uma Caravana
intitulada Meu Padim com reliquias do sacerdote
e também do município.
Foto: Elizângela Santos
O Padre Cícero Romão Batista nasceu no dia 24 de março de 1844, na cidade de Crato, e morreu, 90 anos depois, no dia 20 de julho de 1934. Em março de 1865, ingressou no Seminário de Fortaleza, para seguir a carreira eclesiástica, onde foi ordenado em novembro de 1870.

Em abril de 1872, com 28 anos de idade, Padre Cícero Romão passou, então, a residir em Juazeiro do Norte, onde foi vigário e também prefeito.

O religioso por anos vem sendo analisado por muitos estudiosos. Prova disso é que pesquisadores, este ano, irão se debruçar nos estudos do IV Simpósio Internacional sobre o Padre Cícero E ...Onde está ele?, que será realizado de 16 a 20 de setembro deste ano.

A temática do evento mais um vez envolve o sacerdote, em busca de maior aprofundamento dos estudos sobre a atual condição em que é visto pela sociedade e o que ainda poderá ser explicitado a seu respeito, do ponto de vista da natureza histórica, sócio-política, antropológica, dentre tantos outros aspectos.

Enquanto o Simpósio não é realizado o Padre Cícero Romão será lembrado de outra forma: através da Caravana do Meu Padim. Para o coordenador da Caravana, Marcelo Fraga este será mais um grande itinerário, desta vez a ser seguido Brasil afora, para levar o nome e a história do religioso até as pessoas que ainda não tiveram a oportunidade de estar em Juazeiro do Norte.

Ele está ansioso quanto à surpresa que a caravana poderá causar, mas ao mesmo tempo lembra que ano passado a exposição com as relíquias do Padre Cícero foram expostas no Centro de Tradições Nordestinas (CTN), no bairro do Limão, em São Paulo, quando na oportunidade, percebia nas pessoas que visitaram o espaço a alegria de estar tendo acesso ao material.

Para o escritor Geraldo Menezes Barbosa, aqueles que jamais pensaram em ver algo relacionado à história do Padre Cícero, chegam em Juazeiro do Norte e parecem sentir que tudo foi verdade, pela expressão da segurança como os objetos pertencentes ao religioso aparecem aos olhos do moderno. "Mostra a verdade e o que era a beleza histórica do Padre Cícero", disse.

Mais fiéis

São quase 90 anos de vida do religioso e o escritor afirma não acreditar que as romarias estejam diminuindo, mas se multiplicam com as novas gerações. "Mudaram os números, mas o poder da fé continua da mesma maneira", avalia. Quanto à reabilitação do Padre Cícero, ele não acredita que haja tão cedo o reconhecimento. Conforme avalia, a Igreja sempre estará protelando essa análise e isso confirma que já foi decido pela igreja. "Mas a fé do Padre Cícero tem a força da imortalidade", ressalta.

Ainda conforme o escritor Geraldo Menezes, mesmo após os 170 anos de nascimento do Padre Cícero Romão, há mudanças na forma de ver o sacerdote, a partir das novas gerações. "O mundo é uma eterna mudança, mas no fundo, a história de Juazeiro do Norte tem essa raiz inabalável, que é o produto do milagre", afirma.

No dia 20 de cada mês, a data tradicional das missas do Padre Cícero, reúne na praça do Socorro milhares de pessoas e não foi diferente na data anterior ao seu aniversário, e também amanhã, cedo, quando será cantado o parabéns ao homem que se tornou santo para muitos sertanejos. "Esse, que significa um pai amoroso. Mesmo antes de ser afastado de ordens, já era considerado dessa forma pelos romeiros que o procuravam para conversar, pedir orientações e conselhos a ele", afirma o escritor Geraldo Menezes.

Bom sacerdote

"É uma expressiva demonstração de fé a uma pessoa santa, um padre virtuoso que morreu com a punição de suspensão das ordens declarada pela Igreja, da qual nunca se afastou", diz o pesquisador Daniel Walker.

Para ele, Padre Cícero Romão Batista está canonizado pelo povo cearense, e de outras regiões, e a própria igreja sabe disso. "Padre Cícero é uma das personalidades mais festejadas que conheço. Até no aniversário de morte, dia 20 de julho", diz Walker, ao traduzir de forma simples o carisma e a grande devoção popular ao pároco, que fundou o município de Juazeiro e incentivou o seu desenvolvimento, sob o lema da fé e do trabalho.

Programação

A Semana Padre Cícero, dentro da programação pertinente ao seu aniversário natalício, inclui desde encontros e debates, a elaboração do tradicional bolo de aniversário, a ser instalado na praça do Socorro, a 32ª edição da Corrida Padre Cícero, que sairá da Praça da Sé, no Crato, chegando na Praça Padre Cícero, em Juazeiro, e a apresentação de grupos de tradição popular.

O Padre Cícero sempre gostou de comemorar o seu aniversário. Tanto que festejou os seus 90 anos com grande festa na cidade. Nesse dia foi feriado e começou com uma alvorada festiva e show pirotécnico, além de um almoço servido em sua casa.

O feriado continua, tanto que em todo o Estado, no dia 19 o comércio, escolas e repartições públicas são fechados, mas a cidade dá preferência à data de 24 de março, e funciona normalmente no Dia de São José. E tem também o bolo gigante. Os parabéns e o apagar das velas para o aniversariante acontece pouco depois da meia-noite.

Mais informações:

Caravana do Meu Padim
Rua Padre Cícero, 499
Centro
Juazeiro do Norte - CE
Telefone: (88) 8827.4015

Elizângela Santos
Repórter

FIQUE POR DENTRO
O suposto milagre do religioso

Em 1889, durante uma comunhão, a hóstia consagrada por Padre Cícero sangrou na boca de uma beata chamada Maria de Araújo. O povo considerou o fato um milagre. As toalhas utilizadas para limpar o sangue tornaram-se objetos de adoração. A notícia espalhou-se e Juazeiro começou a ser visitada por peregrinos, com a finalidade de conhecer de perto o religioso. Padre Cícero chegou a ser acusado por membros da Igreja de manipular a fé das pessoas e cometer uma heresia. O 'fenômeno' tomou proporções com sua divulgação em todo o Nordeste e foram realizados vários questionamentos sobre a veracidade do 'milagre'. A beata chegou a ser levada ao Crato, e o sacerdote foi punido com a suspensão de ordens, em 1894. Mesmo assim, uma grande quantidade de pessoas vinha à sua procura, e ele atendia com atenção e aconselhava a todos. Mesmo proibido de celebrar, ele lutou para ter a permissão da igreja. No ano de 1898, chegou a ir à Roma, encontrar-se com o papa Leão XIII. Durante a visita, ainda chegou a receber autorização parcial, mas ainda estava proibido de celebrar. Mesmo assim, continuava com suas orações junto com o povo, em Juazeiro.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Deus assina em baixo

Pedro Nunes Filho

Reabilitar Padre Cícero, por quê? O que ele fez de errado? Cometeu algum delito? Criminosos que andam na deslei é que precisam de reabilitação para se reinserirem no convívio social, e não mais voltarem a delinquir. 

Padre Cícero foi um homem de bem, um benfeitor da região que soube acudir o povo em estado de miséria absoluta.

A meu ver, quem precisa de reabilitação é a Igreja que errou feio. Roma é que carece se postar de joelhos e pedir perdão ao Padre Cícero e a todos os romeiros, que entenderam e incorporaram sua mensagem de fé, de simplicidade, humanismo e sabedoria. 

Padre Cícero já é santo e da forma mais legítima que pode haver: pelas mãos do povo ele subiu aos altares das casas humildes, sem precisar de processo de beatificação, muito menos de vultosos gastos com ridícula canonização, como costuma acontecer com pretensos santos. 
Acho que ninguém, ninguém mesmo, tem o poder de dizer que uma criatura é santa ou não. Na verdade, somos todos santos porque participamos da essência divina. Isso é o que importa. O julgamento dos homens e da Igreja é absolutamente irrelevante e dispensável. O homem é santo porque o povo assim o quis e Deus com certeza assina em baixo.

segunda-feira, 10 de março de 2014

A voz do povo é a voz de Deus?

   Lauro de Sá Barreto(*)  

      Agora é oficial: o próprio papa Francisco anunciou para breve a canonização do Padre Anchieta, após quase 400 anos de espera pela conclusão do respectivo processo, que teve início em 1617.
         Será o terceiro santo brasileiro. Nossa primeira santa foi a Irmã Paulina, nascida na Itália e radicada ainda criança em Santa Catarina, e o segundo, este sim genuinamente brasileiro, Frei Galvão, paulista de Guaratinguetá.
         Vem agora o espanhol de origem judaica José de Anchieta, natural das Ilha Canárias, onde nasceu em 1534, e brasileiro por adoção, pois aqui chegou aos dezenove anos de idade, onde desenvolveu notável trabalho de catequese entre os nativos. Foi um dos fundadores da cidade de São Paulo, poeta, historiador e estudioso da língua tupi. É, merecidamente, considerado como o Apóstolo do Brasil.
         Três santos, dois deles “naturalizados” brasileiro, é muito pouco para o país de maior rebanho católico do mundo. Os Estados Unidos, onde o catolicismo não tem a mesma força, já possui doze santos reconhecidos pelo Vaticano e quase todos legítimos filho da terra.
         Além deste minguado número de santos, é muito recente a presença de brasileiros nos altares da Igreja Católica: nossa primeira canonização, da Irmã Paulina, só ocorreu em 2002. E os processos mais antigos, como o da Madre Maria José de Jesus, filha do historiador Capistrano de Abreu, costumam ficar empacados anos a fio. Recentemente, a jornalista Anna Ramalho, sobrinha neta dela, publicou veemente artigo na imprensa reclamando da demora na canonização daquela que foi a primeira carioca beatificada, lá se vão mais de 20 anos.
         O mais grave, no entanto, é que nossos santos padecem de um “grave pecado”: não são bons de bilheteria, ou seja, não atraem uma plateia expressiva de devotos. É de se perguntar: você conhece algum devoto da Santa Paulina, do São Galvão ou do futuro São José de Anchieta? É difícil...
         Embora essa constatação não retire o mérito ou o grau da santidade de cada um deles, a verdade é que são santos que não empolgam a comunidade católica brasileira. E esta parece ser a tendência das próximas canonizações que podem se avizinhar, como, por exemplo, a da menina Odetinha e a do casal Zélia e Jerônimo, com processos de beatificação recentemente abertos com grande alerde pela Arquidiocese carioca: meros desconhecidos do grande público. E os próximos nomes cogitados vão pelo mesmo caminho: o médico surfista Guido Shäffer, cujo processo deve ser instaurado em maio deste ano, e o teólogo Padre Maurílio Teixeira-Leite Penido, que viveu maior parte de sua vida na Europa e é pouco conhecido entre nós.
         De apelo popular visível e considerável, só mesmo o Padre Cícero, cujo processo de reconciliação da Igreja com ele ainda engatinha lerdamente pelos corredores da Santa Sé, e a mineira Nhá Chica, de Bependi, recentemente beatificada, mas longe ainda da canonização. Ambos contam com imensa aceitação na devoção dos fiéis, embora a Igreja ainda não os tenha declarado santos.
         Fora isso, nossos candidatos à santidade possuem diminuta torcida de devotos, o que de certa forma torna sem graça suas candidaturas e lança uma dúvida: será que a voz do povo, que já consagrou o Padre Cícero e Nhá Chica, é mesmo a voz de Deus? Ou em matéria de santidade isso não tem nenhum valor?
         A Igreja precisa refletir sobre este tema reconhecer as opções da devoção de seu rebanho pode ser um caminho para ajudar conter o crescente enfraquecimento do Catolicismo.
             
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(*) advogado e escritor