A divulgação de uma notícia na imprensa segundo a qual três pesquisadores (Dr. Lauro Barreto, Pe. Neri Feitosa e o professor José Sávio Sampaio) contestam o conteúdo da carta sobre a reconciliação do Padre Cícero, divulgada no ano passado pela Diocese do Crato, está causando grande repercussão na imprensa e nas redes sociais. Abaixo transcrevemos um artigo na historiadora Anne Dumoulin, profunda conhecedora da história do Padre Cícero, o qual representa sua opinião abalizada sobre a polêmica em questão, contestando as argumentações dos pesquisadores. Em seguida transcrevemos artigo do escritor Paulo Machado que segue a linha dos três pesquisadores citados na matéria polêmica.
“A reconciliação da Igreja com Padre Cícero é claramente um reconhecimento que a opinião que a Igreja tinha sobre este sacerdote estava errada e a carta apresenta diversas virtudes do Padre até mesmo apresentando-o como um modelo para a nova evangelização, para uma Igreja em saída! Claro que como todo ser humano, Padre Cícero não foi privado de erros e falhas durante sua longa existência de 90 anos! O Cardeal não desvaloriza as pesquisas e a análise dos pontos de controversos! Ainda tem trabalhos, prezados pesquisadores que somos! Mas a carta é pastoral vai ao centro da questão que são os frutos bons da missão sacerdotal do Padre Cícero! Basta citar aqui as frases seguintes: " Sem dúvida alguma, Padre Cícero foi movido por um intenso amor pelos pobres e por uma inquebrantável confiança em Deus... Ele procurou agir segundo os ditames de sua consciência, em momentos e circunstâncias bastantes difíceis.... É necessário, neste contexto, dirigir nossa atenção ao Senhor e agradecê-lo por todo o bem que ele suscitou por meio do Padre Cícero."
Por favor... Um pouco mais de leitura teológica, esta vez, para reconhecer que a Igreja fez mais do que reabilitar (aliás, como reabilitar um falecido, reabilitar a celebrar a missa de novo? ) o Padre Cícero: ela, oficialmente, reavaliou e apreciou várias dimensões de sua vida como sacerdote... E não são poucas virtudes! Então, a Igreja não perdoou... Porque não tinha nada a perdoar... Tinha que corrigir uma visão errada e negativa que tinha do Padre Cícero, no passado! Ela não reabilitou Padre Cícero, pois as medidas disciplinarias são medidas que valem apenas neste mundo e não no Outro! A reconciliação com Padre Cícero é muito mais bonita, linda! Não se trata de beatificação, de canonização! O Papa fez um ato de JUSTIÇA, não somente em relação ao Padre Cícero mas também em relação aos seus romeiros tratados injustamente de fanáticos, ignorantes! Aliás, é a partir deles que o Papa está relendo a missão sacerdotal do Padrinho... A gente reconhece a árvore pelos seus frutos!”
Para entender a polêmica leia abaixo a notícia que a provocou.
Diocese de Crato, no Ceará, diz que cartas são provas do perdão a Padim Ciço, excomungado após "milagre da hóstia"
Uma polêmica e tanto agita os bastidores da Igreja Católica. Especialistas em processos canônicos contestam o alarde que a Diocese de Crato, no Ceará, a dez quilômetros de Juazeiro do Norte, vem fazendo em torno de duas cartas do Vaticano. Na visão da Cúria local, as correspondências garantem que Roma concedeu a tão sonhada reconciliação da Igreja com o Padre Cícero Romão Batista, um dos candidatos a santos mais populares do Brasil.
Padre Cícero foi excomungado pelo bispo do Ceará, Dom Joaquim Vieira, acusado de manipulação da fé. Ele não conseguiu fazer com que a Igreja reconhecesse o "milagre da hóstia” — as comunhões dadas por ele à beata Maria de Araújo teriam se transformado em sangue.
Como castigo, foi proibido de pregar, ouvir confissões e celebrar missas. Morreu em 1934, aos 90 anos, sem ter esses direitos restabelecidos como sacerdote. Após sua morte, o número de fiéis em romarias à cidade que ele fundou, Juazeiro do Norte, cresceu e transformou as peregrinações num dos maiores encontros de fé do País.
Para críticos, porém, ambas não endossam que o Papa Francisco tenha concedido de fato o perdão, transformando o episódio “numa possível farsa”, que seria alimentada pelo bispo de Crato, Dom Fernando Panico.
Em carta de sete páginas, de 20 de outubro de 2015, assinada pelo secretário de Estado do Vaticano, Pietro Parolin, e endereçada a Panico, a diocese interpreta trechos como sinônimo de reconciliação. Principalmente o que diz: “Mas é sempre possível, com a distância do tempo, reavaliar e apreciar as várias dimensões que marcaram a ação do Padre Cícero como sacerdote”.
Ao divulgar tal carta (íntegra em www.diocesedecrato.org), em dezembro, com festa para 50 mil devotos, o bispo fez o milagre de triplicar as romarias no Sertão do Cariri e a arrecadação para os cofres da Mitra Diocesana.
“Em momento algum o Vaticano fala em reabilitar, reconciliar ou perdoar o Padim Ciço. Apenas realça as qualidades de Cícero, nada mais. É embromação”, diz o advogado Lauro Barretto, devoto fervoroso do Patriarca do Nordeste. Como estudioso de processos canônicos, Barreto escreveu um livro que será lançado em abril.
Questionado pelo DIA, Armando Lopes Rafael, chanceler do bispado do Crato e porta-voz de Dom Panico, entregou à reportagem outra carta inédita, em italiano. Datada de 5 de setembro de 2014 e assinada pelo prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cardeal Gerhard Müller, “comunicando”, segundo ele, a conciliação.
“O Papa raramente assina cartas, delegando essa tarefa ao secretário de Estado. Existe uma minoria que não gostou da reconciliação da Igreja com o Padre”, lamentou Armando. “Essa carta de 2014 não garante a reconciliação. A Diocese de Crato interpretou errado as duas cartas”, diz Lauro.
Jornal do Vaticano não deu a notícia
Em 2006, dom Fernando Panico formou uma comissão e deu entrada na Congregação para Doutrina da Fé, no Vaticano, no processo de reabilitação. A polêmica em torno da interpretação das cartas começa quando, com base nos estudos realizados pela Equipe de Direito Canônico do Vaticano, o Papa Francisco ventilou que a Igreja deveria conceder a reconciliação de Padim Ciço com a Igreja.
“Fico feliz por receber essa grande graça”, diz dom Panico num texto postado no site da Diocese. Reconciliação significa que a Igreja apaga qualquer oposição às ações de Padre Cícero.
Nenhuma agência de notícias oficial do Vaticano, entre elas a Gaudium Press, tocou na possível reconciliação. Para o historiador e professor José Sávio Sampaio e o padre Nerí Feitosa, maior biógrafo de Padre Cícero não há provas de que a Igreja fez as pazes com Padim Ciço. “Não há documento assinado pelo Papa Francisco, que diz claramente que a Igreja se reconciliou com Padre Cícero”, diz Sávio. “Sugerir uma reconciliação não significa que ela tenha se dado de fato”, diz Nerí
Severino Silva / Agência O Dia
BREVE COMENTÁRIO SOBRE A “CARTA DE RECONCILIAÇÃO COM O PADRE CÍCERO” divulgada pela DIOCESE DE CRATO.
Por Paulo Machado
Inicialmente cumpre destacar que a referida CARTA NÃO FOI ASSINADA PELO PAPA FRANCISCO e, sim, pelo Secretário de Estado da Santa Sé Cardeal Pietro Parolin.
Essa Carta, deixa bem claro que “não é intenção ... pronunciar-se sobre questões históricas, canônicas ou éticas do passado” afetas ao PADRE CÍCERO ROMÃO BATISTA.
. Aliás, o próprio Cardeal Paroli adverte o Bispo do Crato, para que ele tivesse o zelo e o cuidado, na “AUTÊNTICA INTERPRETAÇÃO DA MESMA” ao divulgá-la.
Mas estão dando uma maior dimensão a Carta do Cardeal Paroli
O Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro-RJ Cardeal Orani João Tempesta, chama a atenção para o fato de a referida Carta “aponta o lado benemérito” da figura do Padre Cícero, visto apenas do ponto de vista eminentemente pastoral e religioso. É este fato, segundo o Cardeal Tempesta, “que a imprensa chamou de REABILITAÇÃO DO PADRE CÍCERO” ou RECONCILIAÇÃO como apregoa a DIOCESE DE CRATO. NÃO FOI.
O Padre Cícero, na visão da Igreja Católica continua sendo, segundo a CARTA do Cardeal PAROLI , “UM VASO DE ARGILA”, uma figura “NÃO PRIVADA DE FRAQUEZA E DE ERROS”, uma pessoa que “NEM SEMPRE SOUBE ENCONTRAR AS JUSTAS DECISÕES A TOMAR OU ADEQUAR-SE ÀS DIRETRIZES QUE LHE FORAM DIRIGIDAS PELA LEGÍTIMA AUTORIDADE”, e, ainda, que outros aspectos do Padre Cícero “PODEM SUSCITAR PERPLEXIDADE.” . Mas o Cardeal Paroli não deixa de exaltar que às vezes, “DEUS ESCREVE CERTO POR LINHAS TORTAS” E SE SERVE DE INSTRUMENTOS IMPERFEITOS PARA REALIZAR A SUA OBRA (CF.LC 17:10)”
É nesse aspecto, segundo Paroli, que a Igreja Católica e mais precisamente a DIOCESE DE CRATO se serve ou tem incorporado esse movimento popular e da imagem do Padre Cícero para ir “ao encontro das periferias existenciais”, “para a solidificação da fé católica no ânimo do povo nordestino” .
Segundo Paroli, o Padre Cícero continua sendo “ objeto de estudos e análise, como atesta a multiplicidade de publicações a respeito, com interpretações as mais variadas e diversificadas”.
NÃO HOUVE, PORTANTO, RECONCILIAÇÃO DA IGREJA com o PADRE CÍCERO. O Cardeal Paroli conclui: “ MAS É SEMPRE POSSÍVEL, COM A DISTÂNCIA DO TEMPO E O EVOLUIR DAS DIVERSAS CIRCUNSTÂNCIAS, REAVALIAR E APRECIAR AS VÁRIAS DIMENSÕES QUE MARCARAM A AÇÃO DO PADRE CÍCERO.
RECONCILIAÇÃO E O PERDÃO DA IGREJA PARA COM O PADRE CÍCERO PODEM ATÉ OCORRER NO FUTURO, ESPERAMOS TODOS. MAS, no momento, com todo respeito a quem pensa de forma diversa: NÃO HOUVE.
PAULO MACHADO
(AUTOR DE “PADRE CÍCERO ENTRE OS RUMORES A A VERDADE”
Polêmica boba em torno da carta de reconciliação do Padre Cícero
“O Padre Cícero é um cruciante ponto de interrogação”. Esta frase dita por Monsenhor Azarias Sobreira, autor do livro Padre Cícero, o Patriarca de Juazeiro, no século passado, permanece atual e cada vez mais oportuna.
Durante muito tempo, principalmente nos livros, Padre Cícero foi sempre analisado obedecendo a uma invariável dicotomia de juízos diametralmente opostos: de um lado, sendo atacado com radicalismo por quem não lhe reconhece nenhum valor; de outro, sendo exaltado com exagero por quem lhe confere muitas qualidades.
Ultimamente, porém, depois que os cientistas sociais passaram a estudá-lo, sua figura real começou a ser delineada dentro de uma nova ótica de observação e análise. E, ao que tudo indica nessa nova visão Padre Cícero é mostrado com os defeitos comuns aos homens normais e as virtudes inerentes aos homens extraordinários. Tudo dentro da lógica, conduzido sem paixão, para que, um dia, quem sabe, ele finalmente deixe de ser, usando a expressão de Padre Azarias Sobreira: um cruciante ponto de interrogação.
Tudo na vida do Padre Cícero gera polêmica. É assim desde que nasceu. Agora surge uma nova polêmica justamente porque surgiu um fato novo na sua história. E mais uma vez tem a Igreja como protagonista. É a tão propagada carta de sua reabilitação com a Igreja que para alguns historiadores deve ser catalogada no arquivo com o nome de “suposta”, o mesmo que arquiva o milagre da hóstia. Assim, para muitos historiadores Padre Cícero é um suposto santo, um suposto líder, um suposto milagreiro e agora um suposto reconciliado. Sua via crucis parece não ter fim e ele mesmo já antevia isto quando disse: “Tomei o propósito, desde o começo desta enorme perseguição contra mim, de entregar tudo a Deus e a Nossa Senhora das Dores e não me defender de coisa alguma”.
Diante dessa polêmica que a carta de reconciliação do Padre Cícero gerou podemos intuí que ela virou polêmica por vários motivos, alguns dos quais mencionamos a seguir:
1) Não é um decreto da Congregação para doutrina da fé
2) Não foi assinada pelo Papa
3) Não traz explicitamente a palavra reconciliação
4) Não foi notícia na imprensa oficial do Vaticano
5) Ela foi conseguida pelo esforço do bispo D. Fernando ancorado no estudo da comissão que ele nomeou para elaborar e enviar o processo de reabilitação histórica e eclesial do Padre Cícero.
Parece que este último ponto está bem explícito no bojo das discussões que se dissemina na imprensa e nas redes sociais, dando a entender que agora o foco da questão polêmica não é mais o Padre Cícero e sim, o bispo da diocese do Crato. E isto é fácil de perceber, quando a gente vê os nomes dos defensores e dos contestadores da agora (lamentavelmente) famigerada carta de reconciliação.
Se a discussão prosperar por este caminho ficará evidentemente pessoal e não levará a lugar nenhum, e não trará contribuição histórica importante para a biografia do Padre Cícero.
Por isso, no intuito de oferecer alguma contribuição para estancar as animosidades, mas sem intenção de participar de nenhum dos grupos antagônicos que a questão gerou, ousamos fazer as seguintes ponderações:
1) O fato de ser uma carta e não um decreto isto parece ser de somenos importância
2) Não ser assinada pelo Papa é irrelevante, pois o cardeal que a assinou tinha credenciais para representar o pensamento de Sua Santidade sobre o assunto]
3) A palavra reconciliação não está explica, mas os argumentos contidos induzem a tal porque as virtudes do Padre Cícero foram evidenciadas, sua pastoral foi elogiada e as romarias foram exaltadas como sendo bons frutos.
4) A imprensa oficial do Vaticano não divulgou o assunto, mas também não se pronunciou até agora condenando quem divulgou a carta como sendo de reconciliação.
5) Mesmo que traga constrangimento a alguns historiadores, D. Fernando tem, sim, algum mérito nessa questão, pois foi ele quem fez oficialmente o pedido de reconciliação histórica e eclesial do Padre Cícero à Congregação para a doutrina da fé, mesmo tendo recebido argumentos contrários apresentados por figuras do clero, algumas delas da sua diocese.
Diante do exposto, vamos deixar de lado essa polêmica boba e infrutífera; vamos aceitar a carta como sendo mesmo de reconciliação, afinal o Vaticano não contestou que assim pensa; vamos vibrar com a carta pois ela é um documento que reconhece virtudes do Padre Cícero, aprova sua pastoral, o tem como exemplo a ser seguido e exalta as romarias; foi escrita com autorização do Papa como manifestação expressa do seu pensamento e por fim, vamos todos dar graças a Deus pelo Padre Cícero que temos.
Então, cantemos juntos: Viva meu Padim, via meu Padim, Cícero Romão.
E chega de polêmica besta que não leva a nada.
Daniel Walker
Em tempo: Este artigo já estava escrito quando tomamos conhecimento de que na solenidade de divulgação da carta D. Fernando fez menção a um decreto emitido pela Congregação para doutrina da fé, cuja tradução do italiano é a seguinte:
CONGREGAZIONE PER LA DOTTRINA DELLA FEDE
00120 Città del Vaticano
Palazzo del S. Uffizio
27 de outubro de 2014
Protocolo no. 319/14-48388
Excelência Reverendíssima:
Na data de 30 de maio de 2006, Sua Excelência entregou na sede desta Congregação um edido endereçado ao Santo Padre para a reabilitação canônica do Pe.Cícero Romão Baptista (1844-1934). Essa petição era acompanhada de uma igual petição formulada pela CNBB durante a sua 44ª. Assembleia Geral, de-17 de maio de 2006. O pedido também foi acompanhado de uma abundante documentação, fruto do estudo de uma especial Comissão de Estudos para a reabilitação histórico-eclesial do Pe. Cícero Romão Baptista.
Este Dicastério, valendo-se também do parecer de alguns especialistas na matéria, não deixou de submeter a um cuidadoso estudo os documentos acima, confrontando-os com os documentos originais conservados neste arquivo da Congregação, relacionados com os eventos que levaram a Santa Sé a censurá-lo em alguns aspectos de sua vida. As conclusões do
estudo foram submetidas à Sessão Ordinária da Congregação, realizada em 2 de julho de 2014, que decretou o que segue:
TODOS: São consideradas justas e justificadas as medidas disciplinares que a seu tempo foram exaradas pela Santa Sé no processo de Pe. Cícero, e que foram mantidas até sua morte, e por isso não se pode atender ao pedido de reabilitação do sacerdote.
TODOS: Considera-se oportuna, entretanto, a forma de “reconciliação histórica”, que leve em conta todos os aspectos da vida humana e sacerdotal do Pe. Cícero, e traga à luz o lado positivo da sua figura.
O Santo Padre Francisco, durante a Audiência de 5 de setembro de 2014 aprovou a decisão acima e pediu que seja preparada uma Mensagem por um organismo da Santa Sé, endereçado aos fiéis dessa diocese, que agora está celebrando o primeiro centenário de sua elevação. Com essa iniciativa se poderá operar a desejada “reconciliação histórica”, possibilitando uma serena apresentação geral da figura histórica, sacerdotal e apostólica do Pe. Cícero, no contexto da devoção mariana e eucarística dos peregrinos de Juazeiro do Norte.
Tendo em vista a preparação de tal Mensagem, peço-lhe gentilmente para fornecer aqueles elementos que, a seu critério, fazem hoje do Pe. Cícero uma figura a ser valorizada do ponto de vista pastoral e religioso.
Gerard Müller
Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé
Pronto, gente, aí está o decreto. O decreto diz que Padre Cícero não pode ser reabilitado e está correto, pois a sua reabilitação só teria sentido se ele estive vivo para poder desfrutar do prazer de voltar a celebrar e praticar os outros diretos que todo sacerdote ativo tem. Como reabilitar não é possível, então o decreto "Considera-se oportuna, entretanto, a forma de “reconciliação histórica”, que leve em conta todos os aspectos da vida humana e sacerdotal do Pe. Cícero, e traga à luz o lado positivo da sua figura."
Será que isso põe fim a polêmica ou vai alimentá-la mais ainda?
Polêmica boba em torno da carta de reconciliação do Padre Cícero
“O Padre Cícero é um cruciante ponto de interrogação”. Esta frase dita por Monsenhor Azarias Sobreira, autor do livro Padre Cícero, o Patriarca de Juazeiro, no século passado, permanece atual e cada vez mais oportuna.
Durante muito tempo, principalmente nos livros, Padre Cícero foi sempre analisado obedecendo a uma invariável dicotomia de juízos diametralmente opostos: de um lado, sendo atacado com radicalismo por quem não lhe reconhece nenhum valor; de outro, sendo exaltado com exagero por quem lhe confere muitas qualidades.
Ultimamente, porém, depois que os cientistas sociais passaram a estudá-lo, sua figura real começou a ser delineada dentro de uma nova ótica de observação e análise. E, ao que tudo indica nessa nova visão Padre Cícero é mostrado com os defeitos comuns aos homens normais e as virtudes inerentes aos homens extraordinários. Tudo dentro da lógica, conduzido sem paixão, para que, um dia, quem sabe, ele finalmente deixe de ser, usando a expressão de Padre Azarias Sobreira: um cruciante ponto de interrogação.
Tudo na vida do Padre Cícero gera polêmica. É assim desde que nasceu. Agora surge uma nova polêmica justamente porque surgiu um fato novo na sua história. E mais uma vez tem a Igreja como protagonista. É a tão propagada carta de sua reabilitação com a Igreja que para alguns historiadores deve ser catalogada no arquivo com o nome de “suposta”, o mesmo que arquiva o milagre da hóstia. Assim, para muitos historiadores Padre Cícero é um suposto santo, um suposto líder, um suposto milagreiro e agora um suposto reconciliado. Sua via crucis parece não ter fim e ele mesmo já antevia isto quando disse: “Tomei o propósito, desde o começo desta enorme perseguição contra mim, de entregar tudo a Deus e a Nossa Senhora das Dores e não me defender de coisa alguma”.
Diante dessa polêmica que a carta de reconciliação do Padre Cícero gerou podemos intuí que ela virou polêmica por vários motivos, alguns dos quais mencionamos a seguir:
1) Não é um decreto da Congregação para doutrina da fé
2) Não foi assinada pelo Papa
3) Não traz explicitamente a palavra reconciliação
4) Não foi notícia na imprensa oficial do Vaticano
5) Ela foi conseguida pelo esforço do bispo D. Fernando ancorado no estudo da comissão que ele nomeou para elaborar e enviar o processo de reabilitação histórica e eclesial do Padre Cícero.
Parece que este último ponto está bem explícito no bojo das discussões que se dissemina na imprensa e nas redes sociais, dando a entender que agora o foco da questão polêmica não é mais o Padre Cícero e sim, o bispo da diocese do Crato. E isto é fácil de perceber, quando a gente vê os nomes dos defensores e dos contestadores da agora (lamentavelmente) famigerada carta de reconciliação.
Se a discussão prosperar por este caminho ficará evidentemente pessoal e não levará a lugar nenhum, e não trará contribuição histórica importante para a biografia do Padre Cícero.
Por isso, no intuito de oferecer alguma contribuição para estancar as animosidades, mas sem intenção de participar de nenhum dos grupos antagônicos que a questão gerou, ousamos fazer as seguintes ponderações:
1) O fato de ser uma carta e não um decreto isto parece ser de somenos importância
2) Não ser assinada pelo Papa é irrelevante, pois o cardeal que a assinou tinha credenciais para representar o pensamento de Sua Santidade sobre o assunto]
3) A palavra reconciliação não está explica, mas os argumentos contidos induzem a tal porque as virtudes do Padre Cícero foram evidenciadas, sua pastoral foi elogiada e as romarias foram exaltadas como sendo bons frutos.
4) A imprensa oficial do Vaticano não divulgou o assunto, mas também não se pronunciou até agora condenando quem divulgou a carta como sendo de reconciliação.
5) Mesmo que traga constrangimento a alguns historiadores, D. Fernando tem, sim, algum mérito nessa questão, pois foi ele quem fez oficialmente o pedido de reconciliação histórica e eclesial do Padre Cícero à Congregação para a doutrina da fé, mesmo tendo recebido argumentos contrários apresentados por figuras do clero, algumas delas da sua diocese.
Diante do exposto, vamos deixar de lado essa polêmica boba e infrutífera; vamos aceitar a carta como sendo mesmo de reconciliação, afinal o Vaticano não contestou que assim pensa; vamos vibrar com a carta pois ela é um documento que reconhece virtudes do Padre Cícero, aprova sua pastoral, o tem como exemplo a ser seguido e exalta as romarias; foi escrita com autorização do Papa como manifestação expressa do seu pensamento e por fim, vamos todos dar graças a Deus pelo Padre Cícero que temos.
Então, cantemos juntos: Viva meu Padim, via meu Padim, Cícero Romão.
E chega de polêmica besta que não leva a nada.
Daniel Walker
Em tempo: Este artigo já estava escrito quando tomamos conhecimento de que na solenidade de divulgação da carta D. Fernando fez menção a um decreto emitido pela Congregação para doutrina da fé, cuja tradução do italiano é a seguinte:
CONGREGAZIONE PER LA DOTTRINA DELLA FEDE
00120 Città del Vaticano
Palazzo del S. Uffizio
27 de outubro de 2014
Protocolo no. 319/14-48388
Excelência Reverendíssima:
Na data de 30 de maio de 2006, Sua Excelência entregou na sede desta Congregação um edido endereçado ao Santo Padre para a reabilitação canônica do Pe.Cícero Romão Baptista (1844-1934). Essa petição era acompanhada de uma igual petição formulada pela CNBB durante a sua 44ª. Assembleia Geral, de-17 de maio de 2006. O pedido também foi acompanhado de uma abundante documentação, fruto do estudo de uma especial Comissão de Estudos para a reabilitação histórico-eclesial do Pe. Cícero Romão Baptista.
Este Dicastério, valendo-se também do parecer de alguns especialistas na matéria, não deixou de submeter a um cuidadoso estudo os documentos acima, confrontando-os com os documentos originais conservados neste arquivo da Congregação, relacionados com os eventos que levaram a Santa Sé a censurá-lo em alguns aspectos de sua vida. As conclusões do
estudo foram submetidas à Sessão Ordinária da Congregação, realizada em 2 de julho de 2014, que decretou o que segue:
TODOS: São consideradas justas e justificadas as medidas disciplinares que a seu tempo foram exaradas pela Santa Sé no processo de Pe. Cícero, e que foram mantidas até sua morte, e por isso não se pode atender ao pedido de reabilitação do sacerdote.
TODOS: Considera-se oportuna, entretanto, a forma de “reconciliação histórica”, que leve em conta todos os aspectos da vida humana e sacerdotal do Pe. Cícero, e traga à luz o lado positivo da sua figura.
O Santo Padre Francisco, durante a Audiência de 5 de setembro de 2014 aprovou a decisão acima e pediu que seja preparada uma Mensagem por um organismo da Santa Sé, endereçado aos fiéis dessa diocese, que agora está celebrando o primeiro centenário de sua elevação. Com essa iniciativa se poderá operar a desejada “reconciliação histórica”, possibilitando uma serena apresentação geral da figura histórica, sacerdotal e apostólica do Pe. Cícero, no contexto da devoção mariana e eucarística dos peregrinos de Juazeiro do Norte.
Tendo em vista a preparação de tal Mensagem, peço-lhe gentilmente para fornecer aqueles elementos que, a seu critério, fazem hoje do Pe. Cícero uma figura a ser valorizada do ponto de vista pastoral e religioso.
Gerard Müller
Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé
Pronto, gente, aí está o decreto. O decreto diz que Padre Cícero não pode ser reabilitado e está correto, pois a sua reabilitação só teria sentido se ele estive vivo para poder desfrutar do prazer de voltar a celebrar e praticar os outros diretos que todo sacerdote ativo tem. Como reabilitar não é possível, então o decreto "Considera-se oportuna, entretanto, a forma de “reconciliação histórica”, que leve em conta todos os aspectos da vida humana e sacerdotal do Pe. Cícero, e traga à luz o lado positivo da sua figura."
Será que isso põe fim a polêmica ou vai alimentá-la mais ainda?