segunda-feira, 23 de abril de 2012

JUAZEIRO - Pedro Nunes Filho*

Sombra acolhedora daquele Juazeiro, onde paravam almocreves carregando em suas malas de alcáceres do Reino disputados bens de consumo para suprir necessidades de sertões sem fim. Em suas andanças de mercadores, além de tecidos, calçados, ferragens e porcelanas, levavam e traziam notícias de terras distantes, histórias fantásticas e assustadoras, que somente sabem contar, homens de pernas caminhadeiras, acostumados vencer lonjuras, capazes de suportar os rigores do clima e enfrentar os perigos do mundo-sertão. 

Juazeiro frondoso, aragem do bem transformado em ponto de rancho de caminhantes sem pouso, sem morada e sem destino, desbravadores de terras ignotas, vendedores de bens, de esperança e de sonhos. 

Olhos fixos no beiço do horizonte, em vez de fadiga, incansável fome de estradas sem fim. 

Em noites geladas, fogueiras acesas, rodas de prosa, falação de aconteceres da vida diária e dolentes cantares, alimentando triste saudade de amores distantes. 

Chapéus de palha e roupas brancas tecidas em algodão protegiam-lhes a tez do sol abrasador, derramando um canhão de chamas sobre a terra. 

Em pontos de pouso, carne seca, queijo, farinha e rapadura. Para mitigar sede inclemente, fontes de águas cristalinas jorravam da Serra do Araripe, feito fossem miraculosos fios de prata. 

O passo seguro da burra-madrinha, enfeitada com campa-tinideira e atenta aos estalos dos relhos, guiava o comboio de burros-tropeiros, subindo ladeiras, descendo escarpas, vencendo lonjuras. 

Um dia, por conta de um sonho, o ponto de rancho virou povoado. Depois, o arruado, por leis do Estado, em 22 de julho de 1911, passou a ser vila e a vila, por gosto do povo, um Santo Lugar. 

Trincheira de resistência, cidadela de sonhos, fronteira de esperança. Meca de romeiros, porta aberta aos despossuídos e descamisados da vida. Refúgio, onde potentes homens de guerra, pacificados, quedavam seus canos de fogo e sementes de morte aos pés dos altares. Mulheres faladas aprendiam fazeres e mudavam de vida. Penitentes sofridos em busca de luz. Leprosos, aleijados, feridentos, cegos e todo tipo de criaturas miseráveis e fedorentas chegavam em magotes de terras distantes. Reduto de Cícero, padrinho dos excluídos, incentivador do trabalho, conselheiro do bem, promotor do progresso, arauto da esperança, reformador de consciências, construtor da fé e amigo dos pobres. 

Condenado por cânones injustos, humilde curvou-se. Findou elevado aos altares do povo, não por milagres, mas pela ação de transformar ócio, em trabalho, miséria, em dignidade, abismos, em luz, descrença, em fervor, discórdia, em harmonia, pobreza, em progresso. 

ISSO TUDO, pelos séculos em fim, amém! 

*Pedro Nunes, residente em Recife, é advogado e escritor, autor de vários livros entre os quais Guerreiro togado, que tem um capítulo sobre o Padre Cícero. .  
pnunesfilho@yahoo.com.br

Um comentário:

  1. Recebi o endereco de um amigo frances residente em Curitiba,gostei e vou seuir.
    Boa noite e boa semana.
    Abracos.

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