quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

HISTÓRIAS DO PADIM CIÇO


Antonio Máspoli de Araújo Gomes
Pesquisador do Laboratório de Psicologia Social e Estudos de Religião da USP
e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie

A mais nova contribuição de Lira Neto ao gênero biográfico trata-se da obra Padre Cícero, Poder, Fé e Guerra no Sertão, lançada pela Editora Companhia das Letras em 2009. Nessa obra, Lira lança mão da sua experiência de pesquisador, jornalista e escritor para revisitar a figura emblemática do padre Cícero Romão Batista ou o "Meu Padim, Padim Ciço", como é carinhosamente chamado, até hoje, pelo romeiro sertanejo, seu seguidor. Explicitado pelo autor, o objetivo da obra consiste numa contribuição histórica para a redenção do padre Cícero perante a Igreja Católica Apostólica Romana, barrando, assim, o vertiginoso crescimento evangélico no sertão nordestino. O livro é uma obra interessante, pois a criatividade e a imaginação do autor se misturam com os fatos históricos em torno do padre Cícero. O autor utiliza, com extrema sabedoria, o romance, a biografia e a ficção, em que até aquelas histórias criadas pelo imaginário popular em torno da figura mítica do padre encontram o seu lugar e brindam o leitor com uma leitura agradável sobre o multifacetado sacerdote. Padre Cícero é modelado na pena de Lira como o Messias do Nordeste brasileiro, especialmente daquele Nordeste que se encontra no semiárido, no chamado Polígono da Seca. Assim sua obra tem duas partes: a primeira, em que o padre Cícero aparece como uma figura sagrada, piedosa e santa, tem treze capítulos e é intitulada simbolicamente de "A Cruz"; a outra, em que o "Padim Ciço" aparece como um chefe político, militar e religioso, um verdadeiro pater família, também tem treze capítulos e é denominada de "A Espada". Respectivamente, Lira descreve o padre Cícero inicialmente como um santo, e em seguida como um pecador.

O CENÁRIO
O autor descreve com singeleza o espaço messiânico onde tais fatos ocorreram: em Juazeiro do Norte no Cariri, ao sopé da Chapada do Araripe. Sobre o Cariri vale frisar que quem do sertão caminhe para a Chapada do Araripe vê a caatinga ir-se transmudando em cerrados de melhor aspecto; no último trecho da viagem, notadamente de Lavras em diante, e transpostos os poucos elevados contrafortes da Serra de São Pedro, há de notar que a flora como se adensa e avulta, em mais rápido alento. Entrecortada pela caatinga, rala e enfermiça, com trechos quase desertos para as bandas do leste, ocupando larga porção dos municípios de Aurora e Milagres, à direita da ravina coletora das águas, está o que os mapas indicam com o nome pomposo de Rio Salgado. Ali, as juremas se apresentam sempre tristes, as imburanas quase desfolhadas, a oiticica, e o próprio juazeiro, sem a copa altiva, com que noutros pontos domina e alegra toda a paisagem. E, de espaços em espaços, se sobressaem, amiudados, os desolados cômoros de pedra e areia, em que só logram medrar o xiquexique, o mandacaru, o facheiro alteroso e solene, ou a macambira de lanças aguçadas. A região não sofre os rigores da seca. As estiagens prolongadas influem, ao contrário, beneficamente, no seu desenvolvimento econômico. Acossadas por elas, as populações circunvizinhas, num raio de muitas léguas, pagam um alto preço pelos cereais e o açúcar. E oferecem-lhe, ainda hoje, ademais, milhares de braços pelo preço do pão de cada dia. Juazeiro do Norte, cidade que se encontra no lado mais seco e pobre do Cariri, é o cenário para a ocorrência dos milagres de Juazeiro, tendo Maria de Araújo e o padre Cícero como principais atores. Eis uma síntese da primeira parte da obra de Lira Neto.

PADRE CÍCERO, O SANTO
No Vale do Cariri, estado do Ceará, um cenário épico por si mesmo, nasceu, viveu e morreu o padre Cícero Romão Batista. O padre nasceu no dia 24 de março de 1844 no município do Crato. Era filho de Joaquim Romão Batista e Joaquina Vicência Romana, conhecida como dona Quinô. Aos 6 anos de idade começou a estudar com o prof. Rufino de Alcântara Montezuma. Um fato importante marcou a sua infância: o voto de castidade, feito aos 12 anos, influenciado pela leitura da vida de São Francisco de Sales. Em 1860, foi matriculado no colégio do renomado padre Inácio de Sousa Rolim, em Cajazeiras, Paraíba. Aí pouco demorou, pois a inesperada morte de seu pai, vítima de cólera, em 1862, o obrigou a interromper os estudos e voltar para junto da mãe e das irmãs solteiras.
A morte do pai, pequeno comerciante no Crato, trouxe sérios aperreios financeiros à família, de tal sorte que, mais tarde, em 1865, quando Cícero Romão Batista precisou ingressar no Seminário de Fortaleza, só o fez graças à ajuda de seu padrinho de crisma, o coronel Antônio Luiz Alves Pequeno. Aluno medíocre. Terminou seus estudos com dificuldades, e com dificuldade Cícero foi ordenado no dia 30 de novembro de 1870. Após sua ordenação retornou ao Crato, e enquanto o bispo não lhe dava paróquia para administrar, ficou como professor de Latim no Colégio Padre Ibiapina, fundado e dirigido pelo prof. José Joaquim Teles Marrocos, seu primo, grande amigo e defensor nas quizílias e querelas com a Igreja Católica. No Natal de 1871, convidado pelo prof. Semeão Correia de Macedo, padre Cícero visitou pela primeira vez o povoado de Juazeiro, então pertencente à cidade do Crato, e lá celebrou a tradicional Missa do Galo. Nessa época Juazeiro não passava de um povoado, com população rarefeita, geralmente habitado por desordeiros, prostitutas e outros empobrecidos e marginalizados pelo latifúndio nordestino. Segundo Lira Neto, o padre visitante, de 28 anos de idade, estatura baixa, pele branca, cabelos louros, olhos azuis penetrantes e voz modulada impressionou os habitantes do lugar. E a recíproca foi verdadeira. Por isso, decorridos alguns meses, exatamente no dia 11 de abril de 1872, lá estava de volta, para fixar residência definitiva em Juazeiro. A cidade, então, não passava de um pequeno aglomerado de casas de taipa e uma capelinha erigida pelo primeiro capelão padre Pedro Ribeiro de Carvalho, em honra a Nossa Senhora das Dores, padroeira do lugar. Seu primeiro ato foi melhorar o aspecto da Capelinha. Depois, tocado pelo ardente desejo de conquistar o povo que lhe fora confiado por Deus, desenvolveu intenso trabalho pastoral com pregação, conselhos e visitas domiciliares, como nunca se tinha visto na região. Dessa maneira, rapidamente ganhou a simpatia dos habitantes, passando a exercer grande liderança na comunidade. Sua pregação era muito simples: quem roubava não devia roubar mais; quem bebia não devia beber mais; quem matava não devia matar mais, etc. Paralelamente, agindo com muita austeridade, cuidou de moralizar os costumes da população, acabando pessoalmente com os excessos de bebedeira, prostituição e violência no povoado. O centro da obra de Lira Neto, nessa primeira parte, é o chamado Milagre de Juazeiro. Um fato incomum, acontecido em 10 de março de 1889, que transformaria a rotina do lugarejo e a vida de padre Cícero para sempre. Naquela data, ao participar de uma comunhão geral, oficiada por ele, na capela de Nossa Senhora das Dores, a beata Maria de Araújo, ao receber a hóstia consagrada, não pôde degluti-la, pois ela transformara-se em sangue. Acontecia ali no sertão, aos olhos de todos, o milagre da transubstanciação. O milagre continuaria a ocorrer diariamente, tendo sua epifania na manhã do dia 11 de junho de 1890, numa humilde capelinha da Nossa Senhora das Dores, padroeira do lugar: depois de receber das mãos do padre Cícero Romão Batista a hóstia consagrada, a beata Maria de Araújo caía por terra em violenta crise nervosa. Os fiéis presentes, que a socorreram, notaram que um fiozinho de sangue lhe escorria da boca entreaberta; ao mais detido exame, verificaram depois que o trigo usado na eucaristia se havia transformado em sangue vivo, rubro e palpitante. O padre tornou-se o fiador de tal milagre, perante a Igreja e diante do povo. A Igreja considerou o milagre um ultraje à Santa Ceia. O povo, por outro lado, celebrava a visitação do Cristo no sertão. Cícero enfrentou a perseguição da Igreja, o isolamento oficial que culminou, depois de um longo processo, na suspensão de seu ministério pastoral pelo bispo Dom Joaquim Vieira, e finalmente enfrentou a fúria dos inquisidores de Roma. Esse evento milagroso atraiu milhares de devotos de todo o sertão brasileiro. A esse tempo, porém, milhares de devotos já se haviam estabelecido nas redondezas, certos de que era aquela a Canaã prometida. Ademais, fácil era o culto, e a liberdade de costumes, atraente. A ideia de se construir um grande templo, como agradecimento àquela graça inefável, impunha-se a todos. O povoado passou a ser alvo de peregrinação: as pessoas queriam ver a beata e adorar os panos manchados de sangue e receber a bênção do "Meu Padim, Padim Ciço". Os romeiros, continua Lira Neto, principiam a afluir para Juazeiro em levas e levas de indivíduos famintos, excluídos da religião oficial e da sociedade, marginalizados, fanáticos de todos os matizes. E, como o milagre se repetia em outras comunhões da beata, mais e mais era propalada a notícia, e mais engrandecida de boca em boca. Juazeiro cresceu à sombra do padre Cícero e seus milagres. Em 1920 já contava com cerca de trinta mil moradores. Nas festas de Nossa Senhora das Dores recebia pelo menos mais vinte mil como consequência. Dentro em pouco, outro culto se corporizava, na adoração em pessoa do novo Messias, encarnado na figura sacrossanta do padre Cícero. De início, padre Cícero tratou o caso com cautela, guardando sigilo por algum tempo. Os médicos Marcos Madeira e Idelfonso Correia Lima e o farmacêutico Joaquim Secundo Chaves foram convidados para testemunhar as transformações e depois assinaram um atestado, afirmando que o fato era inexplicável à luz da ciência. Isso contribuiu para fortalecer no povo, no padre Cícero e em outros sacerdotes a crença no milagre. O professor e jornalista José Marrocos, desde o começo um ardoroso defensor do milagre, cuidou de divulgá-lo pela imprensa. As notícias logo chegaram ao Palácio Episcopal. O bispo do Ceará, à época D. Joaquim Vieira (o padre Vierinha), da cidade de Campinas, estado de São Paulo, nomeou uma comissão de sacerdotes e médicos com a delicada incumbência de verificar o extraordinário fenômeno. E, se possível, negá-lo a bem da fé e da verdade. Segundo Lira Neto, depois de várias pesquisas e da observação repetida do próprio fato, tal comissão declarou, num primeiro documento, que o caso não podia ter explicação natural e devia ser tomado como expressão miraculosa. Um dos médicos chegou mesmo, em arroubo inicial, a professar a sua fé em atestado escrito que o sangue em que a hóstia se transformava não podia deixar de ser senão o sangue de Jesus Cristo. Houve época em que as maravilhas se multiplicaram espantosamente. Durante as lutas da revolução de fins de 1913, a crença geral era a de que quem morresse pelo Padrinho, onde quer que fosse, ressuscitaria, perfeito e são, no seio da Meca. E contam-se casos de ressurreição para sua comprovação e casos de que por lá ninguém duvida. Sobre a pressão de Dom Joaquim Vieira, a comissão voltou a falar, e dessa vez para uma retratação pura e simples. Surgiram hipóteses naturalíssimas para a explicação do fenômeno, prevalecendo, no entanto, a de que o sangue proviesse das gengivas maltratadas da beata, da língua ou de uma ferida na garganta, que sangrava sob a intensa comoção do ato. O padre Cícero e sua beata tornam-se objeto de zombaria e escárnio da Igreja e da imprensa cearense. Quanto mais era perseguido, mais o povo o canonizava. Assim nasce o Santo de Juazeiro na concepção de Lira Neto. Com a posição contrária do bispo, criou-se um tumulto, agravado quando o Relatório do Inquérito foi enviado à Santa Sé, em Roma, e essa confirmou a decisão tomada pelo bispo. Todos os padres que acreditavam no milagre foram obrigados a se retratar publicamente, ficando reservado ao padre Cícero uma punição maior: a suspensão da ordem. Durante toda sua vida ele tentou revogar essa pena. Foi pessoalmente a Roma perante o Tribunal do Santo Ofício para isso; todavia, em vão. Aliás, ele até que conseguiu uma vitória em Roma, quando lá esteve em 1898. O Tribunal do Santo Ofício o autorizou a rezar missa. O bispo Dom Joaquim Vieira não considerou a posição do Santo Ofício e manteve o padre afastado dos seus deveres de sacerdote.

PADRE CÍCERO, O PECADOR
Na segunda parte da sua obra, Lira Neto nos apresenta o padre Cícero como chefe político, líder de jagunços e cangaceiros, um verdadeiro coronel de batina. A constante doação dos fiéis, pouco a pouco, o transforma também em latifundiário. Os propalados milagres de Juazeiro concederam ao padre Cícero importante poder simbólico. As terras que recebia em doação dos romeiros trouxeram poder econômico. Faltava-lhe, porém, o poder político. Este veio ao seu encontro com a revolução de 1914. Juazeiro passa a ser considerado uma Nova Canudos. O governo do Ceará intenta destruí-la. Padre Cícero comanda pessoalmente, através de Floro Bartolomeu, seu lugar-tenente, a resistência. O apoio dos jagunços e cangaceiros lhe garante uma revolução vitoriosa contra o governo do Ceará em 1914. A revolução de 1914 o consagrou como líder político e chefe paramilitar. O meio era o mais propício, certamente, e o herói, um predestinado. Vitorioso, o padre Cícero de Juazeiro, como ficou conhecido após a revolução de 1914, barganha sua independência do Crato. Conseguida a independência de Juazeiro, em 22 de julho de 1911, padre Cícero foi eleito prefeito do recém-criado município. Além de prefeito, também ocupou a vice-presidência do Ceará. Sobre sua participação na revolução de 1914 ele afirmou categoricamente que a chefia do movimento coube ao doutor Floro Bartolomeu da Costa, seu grande amigo. Na perspectiva de Lira Neto, a revolução de 1914 foi planejada pelo governo federal com o objetivo de depor o presidente do Ceará, o cel. Franco Rabelo. Com a vitória da revolução, padre Cícero reassumiu o cargo de prefeito, do qual havia sido retirado pelo governo deposto, e seu prestígio cresceu. Sua casa, antes visitada apenas por romeiros, passou a ser procurada também por políticos e autoridades diversas.
Outra figura proeminente que aparece ao lado do padre Cícero trata-se do doutor Floro Bartolomeu. Floro, um político experiente, tornou-se o mentor político e o conselheiro militar do padre Cícero. O doutor, como era costumeiramente chamado pelos romeiros, esquecia-se de imitar o prefeito no disfarce da embriaguez do poder. O povo, vencido pela adoração do padre, jazia inconsciente aos pés do doutor. E assim foi sempre. Se o padre queria uma coisa que lhe não ficava bem, com a execução, passava a imputabilidade ao doutor, menos escrupuloso, e o povo, sem saber mais distinguir um do outro, obedecia a este como se fora aquele. Tal se deu na revolução de 1914. Ao doutor Floro, segundo Lira Neto, já não bastava uma cadeira na Câmara Municipal de Juazeiro, não o contentava mais o comando de seus cangaceiros sacrificados: sonhou com o Parlamento Estadual, com suas rendas. E lá se foi sentar numa cadeira do Congresso do Estado, por obra e graça do padre Cícero que, descarregando nele sua gaveta de títulos eleitorais, tinha em vista ganhar, junto ao governo, aquela posição de valia, na pessoa de seu lugar-tenente. Mas o poder é como cachaça: quanto mais se bebe, mais se quer beber. Por isso, eis agora o doutor com os olhos no Congresso da Nação. E há dificuldade para Juazeiro, quando o padre Cícero quer? Se houvesse dois candidatos os títulos ainda sobrariam. Doutor Floro foi elevado pelo voto de cabresto dos romeiros a deputado federal! Por fim, o padre se queixava, abertamente, da tirania do doutor. Dantes, ele era tudo. Agora, um espectro, tangido pelas mãos de Floro. Antes podia dizer, como disse a um hóspede interessado em questões do foro, "Que em Juazeiro o prefeito, a Câmara, o juiz, o delegado, o comandante, a polícia, o carcereiro, era ele". Agora era forçado a confessar que sobre o governo do município ele nada sabia; quem fazia tudo era o doutor Floro. Lira Neto descreve padre Cícero como o maior benfeitor de Juazeiro, e a figura mais importante de sua história. Foi ele quem trouxe para Juazeiro as ordens dos Salesianos e dos Capuchinhos; doou os terrenos para construção do primeiro campo de futebol e do aeroporto; construiu as capelas do Socorro, de São Vicente, de São Miguel e a Igreja de Nossa Senhora das Dores; incentivou a fundação do primeiro jornal local (O Rebate); fundou a Associação dos Empregados do Comércio e o Apostolado da Oração; realizou a primeira exposição da arte juazeirense no Rio de Janeiro; incentivou e dinamizou o artesanato artístico e utilitário, como fonte de renda; incentivou a instalação do ramo de ourivesaria; estimulou a expansão da agricultura introduzindo o plantio de novas culturas; contribuiu para a instalação de muitas escolas, inclusive a famosa Escola Normal Rural e o Orfanato Jesus Maria José; socorreu a população durante as secas e epidemias, prestando-lhe toda assistência e, finalmente, projetou Juazeiro no cenário político nacional, transformando um pequeno lugarejo na maior e mais importante cidade do interior cearense. Essa obra econômica, política, religiosa e social do padre Cícero Romão Batista é o verdadeiro milagre de Juazeiro. Só pela sua obra, como líder político de Juazeiro, transformando aqueles excluídos das secas do latifúndio, já lhe caberia a canonização. Os muitos bens que o padre Cícero recebeu por doação dos romeiros, durante sua quase secular existência, foram doados à Igreja, sendo os salesianos seus maiores herdeiros. Ao morrer, no dia 20 de julho de 1934, aos 90 anos, seus inimigos gratuitos apregoaram que, morto o ídolo, a cidade que ele fundou e a devoção à sua pessoa acabariam logo. Enganaram-se. A cidade prosperou e a devoção aumentou. Até hoje, todo ano, religiosamente, no Dia de Finados, uma grande multidão, com cerca de cem mil romeiros, vindos dos mais distantes locais do Nordeste, chega a Juazeiro para uma visita ao seu túmulo, na Capela do Socorro. A obra de Lira Neto faz uma apologia em favor da reabilitação do padre Cícero perante a Igreja Apostólica Romana. Cícero Romão Batista é fruto de uma época. Nasceu em circunstâncias sociais e históricas específicas. A obra de Lira carece dessa contextualização dos fatos. O autor cita farta documentação, porém não utiliza nenhuma metodologia como forma de referência bibliográfica. Não seria a santa rebeldia do padre sua maior força perante os excluídos de todas as vertentes do cristianismo no Nordeste? O padre Cícero, a beata Maria de Araújo e todos os milagres atribuídos a Juazeiro ainda permanecem naquele espaço denominado por Roger Bastide de "sagrado selvagem". Não seria a recondução do padre (in memoriam) ao seio da Igreja a domesticação desse sagrado? O livro Padre Cícero, Poder, Fé e Guerra no Sertão finalmente se constitui num importante instrumento de pesquisa para estudiosos, professores e alunos das Ciências Humanas e Sociais e outros interessados na compreensão da religiosidade popular brasileira.

(Fonte: Revista da USP, Nº 86 - São Paulo, ago. 2010)

2 comentários: