Ao desenvolver a pesquisa:
TERRITORIALIDADES RELIGIOSAS EM IRRADIAÇÃO: Um olhar geoturístico sobre a
devoção alagoana às representações de Padre Cícero e Juazeiro do Norte/CE,
observei, nas cidades alagoanas de Mata Grande e Boca da Mata, cenários que demonstram
a movimentação de romeiros, devotos, Igreja e comerciantes numa representação
ou reconfiguração juazeirense.
Falar em fé para os devotos do
Padre Cícero em Alagoas é algo que nos surpreende, pois, nas manifestações
romeiras a sua fé é intocável e arraigada histórica e cultural, resistindo às
dificuldades econômicas e climáticas, como também as influências de outras
religiões.
Diferente das demais cidades
alagoanas, Mata Grande vem se destacando na atividade religiosa, como pode ser
observado no Santuário de Santa Terezinha. Enquanto em Juazeiro tudo está em
volta do Padre Cícero e dos milagres da transfiguração da hóstia em sangue. Em Mata
Grande, fenômeno semelhante ocorre com o Padre Sizo, afastado das ordens
sacerdotais pelo Bispo de Palmeira dos Índios Dom Dulcênio.
Padre Sizo atrai multidões ao
santuário que ele construiu com recursos próprios e doações dos devotos, ao
adentrar o santuário visualiza imagens e cenas que lembram a Basílica Menor de
Nossa Srª. das Dores e retoma o período em que o Padre Cícero realizava suas
pregações e a benção do “Maria Valei-me”.
Face à percepção que os romeiros,
peregrinos têm da cidade de Juazeiro do Norte seria como o “Paraíso” ou a
“Terra Santa”, pois no imaginário do romeiro, do nordestino, Cícero é o “Padim”
(popularmente chamado) que protege a vida de cada um. Essa cena se repete em Mata Grande , pois para
os devotos de Santa Teresinha e do Padre Cícero, ali é um lugar sagrado mais
próximo deles e o Padre Sizo também chamado de “Padim” é a imagem viva do Padre
Cícero.
A complexidade do cenário da
cidade em foco, não se restringe apenas aos acontecimentos diários de uma
simples visita de costume à Igreja pelo devoto, mas, um número crescente de
romeiros, devotos de cidades circunvizinhas que vem expressar sua fé no
Santuário, lugar “santo” e que tem a pessoa do “Padim” Sizo, tratamento esse
dado primeiramente ao Padre Cícero (Padim) e ali você pode presenciar todos os
rituais das festas romeiras de Juazeiro do Norte. Como diz Padre Sizo, eles
(romeiros) criaram um mito com sua pessoa.
É essa dimensão relacional da fé
dos devotos que nos permite investigar o objeto de estudo proposto, a
dinamicidade que é incorporada ao novo lugar de devoção, cooptando o cenário de
Juazeiro do Norte – Ceará. Não podemos desconsiderar o planejamento do espaço –
santuário e o acompanhamento espiritual – devoto, que está sendo realizado
nesse território. Para o representante do Papa Bento XVI, Padre Sizo realiza um
trabalho de catequese para os seus devotos, daí o próprio título de catequista
do sertão atribuído por Monsenhor Murilo a ele.
Lembrando o calendário das
romarias de Juazeiro do Norte/Ceará, Mata Grande possui três romarias durante o
ano: Primeiro domingo de Janeiro, aniversário do Padre Sizo; em abril a festa
do Coração de Jesus; e o Segundo domingo de Outubro em homenagem a Santa
Terezinha. A romaria de janeiro realizou-se com a saída do Padre para o retiro
espiritual - um ano sabático como foi orientado pelo Vaticano.
Como podemos observar, no
contexto dessas romarias e da devoção a Padre Cícero, a irradiação devocional
sociopolítica, cultural, econômica e principalmente religiosa, "aurora de
todo esse processo", também pode, de certa forma, gerar uma dualidade em
sua interpretação. Esse evento, da irradiação devocional, é causado por algo
pontual ocorrido em Juazeiro do Norte? Ou é efeito, na espacialidade regional,
principalmente na Nordestina, onde atua fortemente, apesar do espaço temporal e
do surgimento de tantas outras religiões, ainda nos dias atuais?
É notório que as romarias, além
da peregrinação, detêm a sacralidade a purificação no entendimento do devoto. A
leitura que Rosendahl (2003) faz sobre o sagrado remete a sua representação
simbólica, à perspectiva do poder mantido e reproduzido pela comunidade em suas
territorialidades “sagradas”.
Concorda-se com o pensamento de
Haesbaert sobre território quando diz que: “embora não seja uma simples questão
de mudança de escala, também há uma revalorização da dimensão local. O
território reforça sua dimensão enquanto representação, valor simbólico” (2007,
p.50).
O carisma do Padre Cícero entre
seus devotos é inquestionável! Ao presenciar as celebrações do dia 20 de julho
de 2012 na cidade de Boca da Mata, data que lembra 78 anos de aniversário de
morte, constata-se que o “Padim” está muito vivo nos milhares de devotos
nordestinos e especialmente alagoanos. Foi o que pude ver na cidade de Boca da
Mata em Alagoas, onde uma quantidade considerável de fiéis participou da missa
celebrada pelo Bispo Dom Valério Brêda. Ali eles depositaram seus votos em
torno da imagem do Padre Cícero, rezaram, compraram, se reencontraram com os
amigos, como em toda romaria todos os laços são reafirmados naquele momento.
É oportuno dizer que em Boca da
Mata, na tradicional missa, se revive Juazeiro do Norte – Ceará com os louvores
em homenagem ao “Padim”, numa paisagem em que a movimentação de devotos, a
organização comercial, os transportes com as caravanas em ônibus, vans e carros
próprios representa uma pequena “Juazeiro do Norte”. Para o Prefeito José
Tenório, a cidade se organiza para receber os fiéis e proporciona a celebração
para aqueles que não puderam se deslocar em romaria para Juazeiro. Há toda uma
infraestrutura municipal e paroquial para bem atender a todos que chegam.
Isto nos leva a questionar sobre
os seguintes aspectos do objeto de investigação científica: O que constitui
essas novas devoções? O que caracterizaria tais regiões devocionais? Seria uma
visão especulativa da significância do capital-religioso? Ou a criação de
outras regiões a partir do lugar Juazeiro do Norte? Ou, ainda, o fortalecimento
da Igreja amparada na imagem do Padre Cícero? É possível manter essa irradiação
e/ou reprodução da fé a partir da (des) construção/reterritorialização do lugar
de origem?
Por outro lado, é crescente a
nova integração com outros lugares de devoção ao Padre Cícero, nos quais os
romeiros/devotos estabelecem suas relações. Não é mais somente um fenômeno
religioso local ou regional como era visto por alguns estudiosos, mas um
fenômeno que vem estabelecendo suas territorialidades e reconfigurações
culturais e devocionais. Nessa perspectiva, vale ressaltar o compromisso com a
fé e não a competitividade com Juazeiro do Norte/Ceará.
O delineamento das regiões
devocionais expressa muito bem as territorialidades presentes, no espaço
urbano, ou melhor, o espaço de fixos e fluxos demonstra o sistema urbano, desde
a materialidade presente nas edificações religiosas, nos shoppings consolidados
(artigos religiosos), na metropolização de serviços, reproduzido nos discursos
da mídia, fortalecendo a rede religiosa, incorporada pela devoção da
religiosidade popular, exigindo assim uma reestruturação dos serviços urbanos.
No período contemporâneo,
assiste-se a essa tomada de construção de santuários, de espaços com monumentos
religiosos para propagar e cultuar uma devoção. O homem, diante de suas
experiências religiosas, sente a necessidade de estar próximo de um “santo” de
um protetor e por que não ser o “padim”, já que o mesmo está inserido no
Nordeste do Brasil, diferente dos santos europeus. No caso desse devoto
específico, nota-se também essa questão da proximidade. Daí a cidade passar a
projetar essa imagem da religiosidade popular.
Diante dos cenários devocionais
pela força da devoção ao Padre Cícero estão surgindo com planejamento e
orientação pastoral, com apoio político, empresarial e de alguns representantes
da Igreja Católica Apostólica Romana. No entanto, Juazeiro do Norte precisa se
articular para solidificar sua devoção em rede, pois os lugares de “imitação/representação”
estão mais planejados do que o lugar - Juazeiro do Norte.
Nesse sentido, a fé, a devoção ao
Padre Cícero é crescente, dinâmica e manifestada nos milhares de devotos que
ele conquistou e continua conquistando diante de seu trabalho de evangelização
com o povo sofrido do nordeste Brasileiro. “Viva o Padim” desse povo que cultua
seus atos devocionais amparados na religiosidade popular que os faz seguir em
romaria constante!
Cecília Esmeraldo é Licenciada em
Geografia pela Universidade Regional do Cariri-URCA e natural da cidade de
Crato/Ceará. Atualmente é Doutoranda do Curso de Doutorado em Geografia da
Universidade Federal do Ceará/UFC, onde já qualificou sua Tese sob a Orientação
do Profº. Dr. Christian Dennys Monteiro de Oliveira.
Participou recentemente do II
Seminário Internacional sobre Microterritorialidades nas Cidades, no período de
12 a 14
de novembro de 2012/UNESP, Presidente Prudente-SP, discutindo a Temática Microterritorialidades
Devocionais ao Padre Cícero.
Nenhum comentário:
Postar um comentário