segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

CENÁRIOS DE FÉ E DEVOÇÃO AO PADRE CÍCERO NO ESTADO DE ALAGOAS - Por Cecília Esmeraldo


Ao desenvolver a pesquisa: TERRITORIALIDADES RELIGIOSAS EM IRRADIAÇÃO: Um olhar geoturístico sobre a devoção alagoana às representações de Padre Cícero e Juazeiro do Norte/CE, observei, nas cidades alagoanas de Mata Grande e Boca da Mata, cenários que demonstram a movimentação de romeiros, devotos, Igreja e comerciantes numa representação ou reconfiguração juazeirense.
Falar em fé para os devotos do Padre Cícero em Alagoas é algo que nos surpreende, pois, nas manifestações romeiras a sua fé é intocável e arraigada histórica e cultural, resistindo às dificuldades econômicas e climáticas, como também as influências de outras religiões.
Diferente das demais cidades alagoanas, Mata Grande vem se destacando na atividade religiosa, como pode ser observado no Santuário de Santa Terezinha. Enquanto em Juazeiro tudo está em volta do Padre Cícero e dos milagres da transfiguração da hóstia em sangue. Em Mata Grande, fenômeno semelhante ocorre com o Padre Sizo, afastado das ordens sacerdotais pelo Bispo de Palmeira dos Índios Dom Dulcênio.
Padre Sizo atrai multidões ao santuário que ele construiu com recursos próprios e doações dos devotos, ao adentrar o santuário visualiza imagens e cenas que lembram a Basílica Menor de Nossa Srª. das Dores e retoma o período em que o Padre Cícero realizava suas pregações e a benção do “Maria Valei-me”.
Face à percepção que os romeiros, peregrinos têm da cidade de Juazeiro do Norte seria como o “Paraíso” ou a “Terra Santa”, pois no imaginário do romeiro, do nordestino, Cícero é o “Padim” (popularmente chamado) que protege a vida de cada um. Essa cena se repete em Mata Grande, pois para os devotos de Santa Teresinha e do Padre Cícero, ali é um lugar sagrado mais próximo deles e o Padre Sizo também chamado de “Padim” é a imagem viva do Padre Cícero.
A complexidade do cenário da cidade em foco, não se restringe apenas aos acontecimentos diários de uma simples visita de costume à Igreja pelo devoto, mas, um número crescente de romeiros, devotos de cidades circunvizinhas que vem expressar sua fé no Santuário, lugar “santo” e que tem a pessoa do “Padim” Sizo, tratamento esse dado primeiramente ao Padre Cícero (Padim) e ali você pode presenciar todos os rituais das festas romeiras de Juazeiro do Norte. Como diz Padre Sizo, eles (romeiros) criaram um mito com sua pessoa.
É essa dimensão relacional da fé dos devotos que nos permite investigar o objeto de estudo proposto, a dinamicidade que é incorporada ao novo lugar de devoção, cooptando o cenário de Juazeiro do Norte – Ceará. Não podemos desconsiderar o planejamento do espaço – santuário e o acompanhamento espiritual – devoto, que está sendo realizado nesse território. Para o representante do Papa Bento XVI, Padre Sizo realiza um trabalho de catequese para os seus devotos, daí o próprio título de catequista do sertão atribuído por Monsenhor Murilo a ele.
Lembrando o calendário das romarias de Juazeiro do Norte/Ceará, Mata Grande possui três romarias durante o ano: Primeiro domingo de Janeiro, aniversário do Padre Sizo; em abril a festa do Coração de Jesus; e o Segundo domingo de Outubro em homenagem a Santa Terezinha. A romaria de janeiro realizou-se com a saída do Padre para o retiro espiritual - um ano sabático como foi orientado pelo Vaticano.
Como podemos observar, no contexto dessas romarias e da devoção a Padre Cícero, a irradiação devocional sociopolítica, cultural, econômica e principalmente religiosa, "aurora de todo esse processo", também pode, de certa forma, gerar uma dualidade em sua interpretação. Esse evento, da irradiação devocional, é causado por algo pontual ocorrido em Juazeiro do Norte? Ou é efeito, na espacialidade regional, principalmente na Nordestina, onde atua fortemente, apesar do espaço temporal e do surgimento de tantas outras religiões, ainda nos dias atuais?
É notório que as romarias, além da peregrinação, detêm a sacralidade a purificação no entendimento do devoto. A leitura que Rosendahl (2003) faz sobre o sagrado remete a sua representação simbólica, à perspectiva do poder mantido e reproduzido pela comunidade em suas territorialidades “sagradas”.
Concorda-se com o pensamento de Haesbaert sobre território quando diz que: “embora não seja uma simples questão de mudança de escala, também há uma revalorização da dimensão local. O território reforça sua dimensão enquanto representação, valor simbólico” (2007, p.50).
O carisma do Padre Cícero entre seus devotos é inquestionável! Ao presenciar as celebrações do dia 20 de julho de 2012 na cidade de Boca da Mata, data que lembra 78 anos de aniversário de morte, constata-se que o “Padim” está muito vivo nos milhares de devotos nordestinos e especialmente alagoanos. Foi o que pude ver na cidade de Boca da Mata em Alagoas, onde uma quantidade considerável de fiéis participou da missa celebrada pelo Bispo Dom Valério Brêda. Ali eles depositaram seus votos em torno da imagem do Padre Cícero, rezaram, compraram, se reencontraram com os amigos, como em toda romaria todos os laços são reafirmados naquele momento.
É oportuno dizer que em Boca da Mata, na tradicional missa, se revive Juazeiro do Norte – Ceará com os louvores em homenagem ao “Padim”, numa paisagem em que a movimentação de devotos, a organização comercial, os transportes com as caravanas em ônibus, vans e carros próprios representa uma pequena “Juazeiro do Norte”. Para o Prefeito José Tenório, a cidade se organiza para receber os fiéis e proporciona a celebração para aqueles que não puderam se deslocar em romaria para Juazeiro. Há toda uma infraestrutura municipal e paroquial para bem atender a todos que chegam.
Isto nos leva a questionar sobre os seguintes aspectos do objeto de investigação científica: O que constitui essas novas devoções? O que caracterizaria tais regiões devocionais? Seria uma visão especulativa da significância do capital-religioso? Ou a criação de outras regiões a partir do lugar Juazeiro do Norte? Ou, ainda, o fortalecimento da Igreja amparada na imagem do Padre Cícero? É possível manter essa irradiação e/ou reprodução da fé a partir da (des) construção/reterritorialização do lugar de origem?
Por outro lado, é crescente a nova integração com outros lugares de devoção ao Padre Cícero, nos quais os romeiros/devotos estabelecem suas relações. Não é mais somente um fenômeno religioso local ou regional como era visto por alguns estudiosos, mas um fenômeno que vem estabelecendo suas territorialidades e reconfigurações culturais e devocionais. Nessa perspectiva, vale ressaltar o compromisso com a fé e não a competitividade com Juazeiro do Norte/Ceará.
O delineamento das regiões devocionais expressa muito bem as territorialidades presentes, no espaço urbano, ou melhor, o espaço de fixos e fluxos demonstra o sistema urbano, desde a materialidade presente nas edificações religiosas, nos shoppings consolidados (artigos religiosos), na metropolização de serviços, reproduzido nos discursos da mídia, fortalecendo a rede religiosa, incorporada pela devoção da religiosidade popular, exigindo assim uma reestruturação dos serviços urbanos.
No período contemporâneo, assiste-se a essa tomada de construção de santuários, de espaços com monumentos religiosos para propagar e cultuar uma devoção. O homem, diante de suas experiências religiosas, sente a necessidade de estar próximo de um “santo” de um protetor e por que não ser o “padim”, já que o mesmo está inserido no Nordeste do Brasil, diferente dos santos europeus. No caso desse devoto específico, nota-se também essa questão da proximidade. Daí a cidade passar a projetar essa imagem da religiosidade popular.
Diante dos cenários devocionais pela força da devoção ao Padre Cícero estão surgindo com planejamento e orientação pastoral, com apoio político, empresarial e de alguns representantes da Igreja Católica Apostólica Romana. No entanto, Juazeiro do Norte precisa se articular para solidificar sua devoção em rede, pois os lugares de “imitação/representação” estão mais planejados do que o lugar - Juazeiro do Norte.
Nesse sentido, a fé, a devoção ao Padre Cícero é crescente, dinâmica e manifestada nos milhares de devotos que ele conquistou e continua conquistando diante de seu trabalho de evangelização com o povo sofrido do nordeste Brasileiro. “Viva o Padim” desse povo que cultua seus atos devocionais amparados na religiosidade popular que os faz seguir em romaria constante!
 Missa do dia 20 de Julho de 2012. Boca da Mata/Alagoas


Cecília Esmeraldo é Licenciada em Geografia pela Universidade Regional do Cariri-URCA e natural da cidade de Crato/Ceará. Atualmente é Doutoranda do Curso de Doutorado em Geografia da Universidade Federal do Ceará/UFC, onde já qualificou sua Tese sob a Orientação do Profº. Dr. Christian Dennys Monteiro de Oliveira.

Participou recentemente do II Seminário Internacional sobre Microterritorialidades nas Cidades, no período de 12 a 14 de novembro de 2012/UNESP, Presidente Prudente-SP, discutindo a Temática Microterritorialidades Devocionais ao Padre Cícero.

Nenhum comentário:

Postar um comentário