quarta-feira, 18 de maio de 2016

Perspectiva do bem de consumo Padre Cícero - Por Michael M. Marques

Partindo da premissa dos estudos da cultura material, que trabalham através da perspectiva dos objetos materiais, há uma tentativa de compreender, de forma mais profunda, os signos e significados do consumo. Tal estudo tem ajudado a demonstrar como o mundo é provido de objetos materiais que contribuem para a sua constituição cultural e a refletem, como categorias culturais são materializadas[1]. (MACCKREN, 2007). Perceber a materialidade não distante da humanidade, sobretudo, teorizar e analisar essas relações de consumo enquanto elementos de identificação e demonstração diversificada de consumo sobre uma mesma coisa se faz necessário para a busca de uma análise profunda e complexa. 

É importante frisar a dificuldade em buscar uma identidade social a partir do consumo, devido à relação entre objetos e mercadorias, e as abordagens que enfatizam seus usos como marcadores e constituintes de um processo cultural que se constrói articulando muitos atores, construindo e consolidando sentidos, apresentando importante tradição de estudos na antropologia recente, especialmente aqueles que analisam o protagonismo dos consumidores a partir da aquisição de bens materiais.

Busco perceber a importância do consumo da estátua do Padre Cícero para o desenvolvimento do comércio local como representação simbólica e mitológica, na noção de habitus[2] proposta por Bourdieu. Dentro da teoria do poder simbólico, o habitus é o elemento que articula “os sistemas simbólicos como estruturas estruturadas (passíveis de uma análise estrutural)” e as estruturas estruturantes, ou seja, a “concordância das subjetividades estruturantes” (BOURDIEU, 2005, p. 8). Tais estruturas estão presentes na construção histórica dos espaços social em Juazeiro do Norte, a partir do conceito do Bourdieu, como: mito, arte, língua, religião, ciência. Para Bourdieu (2009), os sistemas simbólicos são instrumentos de conhecimento e de comunicação só podem exercer um poder estruturante porque são estruturados. Os símbolos são instrumentos de conhecimento e comunicação e eles tornam possível a reprodução da ordem social. Os símbolos são os instrumentos por excelência da integração social, eles tornam possível o consenso sobre o sentido do mundo social que contribui para a reprodução da ordem social: a integração lógica é a condição da integração moral.

Assim podemos dizer que em Juazeiro do Norte, acontece a elaboração do fato social total. (MAUSS, 2005), o conceito do fenômeno ou fato social total sugere que o objeto real das ciências sociais é o estudo da realidade social, ou seja, um conjunto de fenômenos que se produzem e reproduzem no interior de uma sociedade, designados como fenômenos sociais. Portanto podemos perceber que todas as dimensões do real social são peças de encaixe, e, apesar de cada ciência estudar a área que lhe compete, o fenômeno social é total e só é explicado completamente com a junção de todas as dimensões, nunca se esgotando completamente com o estudo de uma só ciência. Daí que possa dizer-se que, separadas as ciências estudam o que lhes compete e juntas complementam-se. O social é um todo, englobando diferentes tipos de relacionamento entre indivíduos e entre o mundo que os abrange. Como um fato social total (MAUSS, 2011), apresenta-se nos mais distintos e diversificados aspectos da vida social: econômicos, políticos, sociais, culturais, jurídicos, de direito, morais, religiosos, domésticos, infraestrutura e estéticos. É diante essas características apresentadas pelo fato social total que está localizado o consumo do bem, o Padre Cícero, na cidade de Juazeiro do Norte, por seus visitantes e citadinos.

Nesse sentido, podemos pensar o consumo a partir da perspectiva da identificação social, não podendo ser visto como uma ação coerente. Visto que a sociedade pós-moderna localiza-se dentro de uma dificuldade de identificar uma sistemática bem elaborada do consumo, do ato de consumir. Pois existem diferentes demandas, demandas contraditórias nos setores da vida. O consumo não é coerente, pois o mesmo lida com subjetividade que aponta para o indivíduo espontâneo, relacional e ativo. 

Desta forma, podemos pensar a prática de consumo não destituída em um vazio cultural. Elas estão inseridas em um espaço, um contexto, e são instruídas por lógicas sociais que dão sentido as práticas em determinados contextos. Não são ações voluntaristas, as mesmas tendem a identificar e estruturar a vida social, o cotidiano, mesmo em um mundo repleto de permanentes transformações. Elas (práticas de consumo) estão alocadas em um conjunto de oportunidades, que dificilmente serão mudadas. Essas escolhas por não serem voluntárias, irão variar dentro de uma variabilidade em que o campo social oferece. 

Obs: Este texto faz parte da construção da dissertação, cujo título é: ENTRE O TRECO E A CIDADE. ESTUDO ANTROPOLÓGICO SOBRE O CONSUMO DAS ESTÁTUAS DO PADRE CÍCERO EM JUAZEIRO DO NORTE-CE

Referências bibliográficas
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 11 Ed. São Paulo: Editora Bertrand Brasil, 2007.
________________. A economia das trocas simbólicas. 3. Ed. São Paulo: Perspectiva, 2009.
________________. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre, RS: Zouk, 2007.
MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva. Lisboa: Edições 70 LDA, 2011.
McCRACKEN, G. Cultura e Consumo: Uma explicação teórica da estrutura e do movimento do significado cultural dos bens de consumo. Revista de Administração de Empresas – RAE, v. 47, n. 1, p. 99-115, jan./mar. 2007. 
MACCRAKEN, Grant. Cultura e consumo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e atividades de consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.
MILLER, Daniel. Consumo como cultura material. Horizontes Antropológicos, Ano 13, n. 28, 2007.

MILLER, Daniel. Treco, troços e coisas. Estudos antropológicos sobre a cultura material. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2013

[1] Vê mais em: McCRACKEN, G. Cultura e Consumo: Uma explicação teórica da estrutura e do movimento do significado cultural dos bens de consumo. Revista de Administração de Empresas – RAE, v. 47, n. 1, p. 99-115, jan./mar. 2007.

[2] De acordo com o autor, as estruturas sociais por si só não determinam a vida em sociedade como pretendiam os estruturalistas. A dimensão individual, o agente social – e daí decorre a importância do conceito de “habitus” reintroduzido por Bourdieu – não é uma simples consequência das determinações da estrutura social. Internalizamos regras e normas sociais, mas existem aspectos de nossas condutas que não são previsíveis. É como um jogo que sabemos as regras e o seu sentido, mas que também podemos improvisar. A noção de “habitus’ exprime, sobretudo, (...) a recusa a toda uma série de alternativas nas quais a ciência social se encerrou a da consciência (ou do sujeito) e do inconsciente, a do finalismo e do mecanismo”. (BOURDIEU, 1989, p.60).

O AUTOR
Professor da rede estadual de ensino do Ceará
Estudante do Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)


Email: michaelmarques.cs@hotmail.com

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