sábado, 24 de março de 2012

Padre Cícero e a ourivesaria - Por Zeca Marques

Até 1900, no povoado de Juazeiro, não existiam ainda ourivesarias. O centro industrial e comercial do ouro era localizado na vizinha cidade do Crato. Havia tanta ourivesaria no Crato, que a Rua Bárbara de Alencar era denominada de Rua dos Ourives, pela grande quantidade de ourivesarias lá instaladas.
Em Barbalha, havia apenas uma ourivesaria, de propriedade do senhor Carlos Miguel Ângelo, conhecido por "Padre Ourives". Nessa ourivesaria trabalhava como operário Raimundo Nunes Branco, conhecido por "Doca". Doca era rapaz, e morava com sua irmã, Cassimira, conhecida por "Santa".
Santa era amiga do Padre Cícero e tinha entrada franca na casa dele. Certo dia, Santa foi visitar o Padre Cícero, e nessa visita, disse-lhe o Padre Cícero: "Diga a seu irmão Raimundo que venha instalar uma ourivesaria aqui no Juazeiro".
De volta a Barbalha, Dona Santa deu o recado do Padre Cícero a Doca, ao que ele lhe respondeu: "Não vou. O Juazeiro não tem nada para me oferecer".
Meses depois, Dona Santa foi mais uma vez à casa do Padre Cícero. Nessa ocasião, o Padre Cícero lhe perguntou: "Você deu o meu recado a seu irmão Raimundo?" Dona Santa respondeu: "Dei, mas o que ele respondeu é que este povoado não tem o que lhe oferecer". "Pois então, disse o Padre Cícero, diga a ele que, se não vier, eu vou lhe buscar".
Quando Doca recebeu de sua irmã a intimação, ficou impressionado. Prestou conta com o patrão e foi a Juazeiro. Chegando à casa do Padre Cícero, disse: "Pronto, aqui estou Padre Cícero, onde é que vou instalar minha ourivesaria?" Nessa ocasião o Padre Cícero deu a Doca a chave de uma casa localizada na Rua do Cruzeiro com a Rua São José, nos fundos onde é hoje a casa de Dona Alacoque Bezerra, e lhe disse: "Faça muitas alianças e brincos de ouro".
As informações acima foram prestadas pelo  nosso amigo José Anchieta, ourives residente na Rua Mons. Joviniano Barreto, nº 97, em frente à Escola de Primeiro Grau Padre Cícero.
Doca, o primeiro ourives do Juazeiro, apoiado com a proteção do Padre Cícero, ficou rico e conhecido por "Doca Ourives". Com a independência política de Juazeiro, a cidade acelerou o seu desenvolvimento, o comércio de ouro cresceu e as ourivesarias do Crato diminuíram a ponto de ficar apenas uma, a do senhor Theopisto Abath que ainda continua sob a direção de um de seus filhos.
Doca Ourives, rapaz bem parecido, mulherengo, só pensava em dinheiro. Nunca se lembrou de ir agradecer ao Padre Cícero o apoio que dele recebeu.
Anos depois o Padre Cícero perguntou a Dona Santa: "Como vai Raimundo com a ourivesaria"? "Muito bem, respondeu dona Santa, só tem um problema: é vaidoso e gasta de mais com farra".
— "Pois diga a ele, disse o Padre Cícero, que faça economia para que na velhice ele não sofra as conseqüências".
Santa deu o recado a Doca, e ele respondeu: "Bobagem, Santa, o que possuo eu morro e não se acaba".
O campo comercial abriu-se para outras ourivesarias. Doca ourives começou a fracassar. Mudou-se para uma casa na Rua Boa Vista, nº 114. Lá ele findou seus últimos dias de vida com uma oficina de conserto, morrendo em 1941, velho e pobre.
Os ourives que mais se destacaram nessa época até 1950, foram:  José Vicente de Lima, Enoque Vieira de Almeida, Paulo Maia, Antônio Vieira de Almeida, José Ourives, José Inácio da Costa, Luís Coimbra, José de Melo da Silva, Sutério Inácio da Costa, Antônio Flor e Luiz Gonçalves Pereira.
Depois dessa época surgiram outros ourives que assumiram a liderança da indústria de ouro que até hoje perdura e lidera o comércio de ouro no Juazeiro.
Em 1979, os irmãos Neri (Severino, Antônio, Aluísio e José), montaram a primeira fábrica de jóias em Juazeiro, a CIMEL-Comércio e Indústria Metalúrgica Limitada. No decorrer dos anos essa fábrica deixou de fabricar jóias e passou a fabricar sacos plásticos, continuando com a mesma sigla.
Para compensar e mostrar que Juazeiro não pode parar, surgiram três fábricas de jóias dos senhores: Josimar, Dr. José Wildon de Morais e José Machado Junior.
Em 1990, foi fundada em Juazeiro a Associação dos Fabricantes de Jóias. Essa Associação manteve por algum tempo  uma escola, tendo como finalidade aperfeiçoar operários na fabricação de jóias e lançar no comércio os mais variados modelos de jóias, libertando-nos assim das jóias fabricadas no sul do país. Atualmente  Juazeiro conta com algumas  fábricas de jóias, quase uma centena de ourivesarias, dezenas de casas de relojoarias  e muitas dezenas de boxes de vendas de ouro e jóias encascadas de ouro.
(Extraído do livro Milagres e previsões do Padre Cícero. José  (Zeca) Marques da Silva)

terça-feira, 20 de março de 2012

Um santo ainda não canonizado - Por D. Samuel Dantas, OSB

Dificilmente encontrar-se-á na vetusta história da Igreja uma personagem em torno de cuja vida e obra tenham se erguido as mais acesas polêmicas, as mais acaloradas discussões e debates, como a figura do celebérrimo padre Cícero Romão Batista. Amado e venerado por uns, odiado e caluniado por outros. Padre Cícero impôs-se a ricos e pobres, a nobres e plebeus, a intelectuais e indoutos, tendo sido em vida o que se poderia sem nenhuma hipérbole qualificar de um fenômeno religioso e miraculoso da mais alta envergadura.
Anualmente, acorrem a interiorana Juazeiro, no sul do Ceará, milhões de peregrinos, cuja devoção ao padre Cícero é deveras impressionante. Milagres sem conta continuam a ser atribuídos a seu poderoso valimento junto a Deus. Como é possível que não seja santo um homem que costumava percorrer léguas unicamente para administrar os sacramentos a moribundos desolados? Como é possível que não seja santo um homem cuja palavra pacificadora foi capaz de por termo a sangrentas rixas familiares? Como é possível que não seja santo um homem que, tendo tido todo o Nordeste aos seus pés, jamais utilizou o seu prestígio para beneficiar-se? Como é possível que não seja santo aquele sacerdote que, tendo recebido polpudos donativos de seus devotos admiradores, viveu pobremente, legando tudo que tinha a Igreja, a cujas ordens sempre se manteve obediente? Como é possível que não seja santo um homem que, a semelhança de Cristo, soube amar e perdoar os fariseus invejosos que converteram sua vida em um pungentíssimo calvário? Os inimigos do padre Cícero acusam-no de embuste e de ter se envolvido na política. Quanto a primeira acusação, nada há de mais pífio: somente um sacerdote néscio - e padre Cícero não o era - tentaria forjar um prodígio. Ademais, não podia ele ignorar a reservada circunspecção com a qual a Igreja costumava tratar alardeados portentos, tidos por sobrenaturais.
Quanto a seu envolvimento na política, deve-se observar que em virtude da complexa conjuntura de então, foi necessário que o padre Cícero nela tomasse parte. Era a única maneira de por termo a facções rivais que sanguinolentamente se digladiavam. Sabe Deus que a razão pela qual padre Cícero ingressou no âmbito da política foi totalmente diversa da razão pela qual o fazem muitos hodiernamente.
De minha parte, julgo que a prova inconteste da santidade de padre Cícero é o próprio Juazeiro. Aí, vê-se a piedade sincera, a oração constante, a procura de Deus, a humildade posta em prática, o amor a Deus e ao próximo traduzido em obras, a expansão de uma devoção que não cessa de crescer. Juazeiro é como um vasto santuário ao qual se dirigem os que tem fome e sede de Deus. Diziam os antigos que não existe juiz mais justo e reto do que o tempo. Este, sepulta as mediocridades invejosas, e enaltece os que em vida se distinguiram.
Não tenho a menor dúvida de que este justíssimo juiz, mais cedo ou mais tarde, justiçara aquele que, quanto mais o tempo passa, tanto mais se agiganta aos olhos da posteridade, enquanto que, todos os que intentaram debalde prejudicá-lo, jazem sepultos para sempre no olvido - termo natural para o qual sempre se dirige a maioria dos homens. Aliás, como prova da implacável justiça do tempo, tenha-se em vista que os caluniadores e hostilizadores acérrimos do nosso padim são recordados tão somente pelo lamentável fato de o terem sido!

(Trabalho originalmente publicado no jornal A Tarde, de Salvador, edição de 28.02.2012)