segunda-feira, 10 de março de 2014

A voz do povo é a voz de Deus?

   Lauro de Sá Barreto(*)  

      Agora é oficial: o próprio papa Francisco anunciou para breve a canonização do Padre Anchieta, após quase 400 anos de espera pela conclusão do respectivo processo, que teve início em 1617.
         Será o terceiro santo brasileiro. Nossa primeira santa foi a Irmã Paulina, nascida na Itália e radicada ainda criança em Santa Catarina, e o segundo, este sim genuinamente brasileiro, Frei Galvão, paulista de Guaratinguetá.
         Vem agora o espanhol de origem judaica José de Anchieta, natural das Ilha Canárias, onde nasceu em 1534, e brasileiro por adoção, pois aqui chegou aos dezenove anos de idade, onde desenvolveu notável trabalho de catequese entre os nativos. Foi um dos fundadores da cidade de São Paulo, poeta, historiador e estudioso da língua tupi. É, merecidamente, considerado como o Apóstolo do Brasil.
         Três santos, dois deles “naturalizados” brasileiro, é muito pouco para o país de maior rebanho católico do mundo. Os Estados Unidos, onde o catolicismo não tem a mesma força, já possui doze santos reconhecidos pelo Vaticano e quase todos legítimos filho da terra.
         Além deste minguado número de santos, é muito recente a presença de brasileiros nos altares da Igreja Católica: nossa primeira canonização, da Irmã Paulina, só ocorreu em 2002. E os processos mais antigos, como o da Madre Maria José de Jesus, filha do historiador Capistrano de Abreu, costumam ficar empacados anos a fio. Recentemente, a jornalista Anna Ramalho, sobrinha neta dela, publicou veemente artigo na imprensa reclamando da demora na canonização daquela que foi a primeira carioca beatificada, lá se vão mais de 20 anos.
         O mais grave, no entanto, é que nossos santos padecem de um “grave pecado”: não são bons de bilheteria, ou seja, não atraem uma plateia expressiva de devotos. É de se perguntar: você conhece algum devoto da Santa Paulina, do São Galvão ou do futuro São José de Anchieta? É difícil...
         Embora essa constatação não retire o mérito ou o grau da santidade de cada um deles, a verdade é que são santos que não empolgam a comunidade católica brasileira. E esta parece ser a tendência das próximas canonizações que podem se avizinhar, como, por exemplo, a da menina Odetinha e a do casal Zélia e Jerônimo, com processos de beatificação recentemente abertos com grande alerde pela Arquidiocese carioca: meros desconhecidos do grande público. E os próximos nomes cogitados vão pelo mesmo caminho: o médico surfista Guido Shäffer, cujo processo deve ser instaurado em maio deste ano, e o teólogo Padre Maurílio Teixeira-Leite Penido, que viveu maior parte de sua vida na Europa e é pouco conhecido entre nós.
         De apelo popular visível e considerável, só mesmo o Padre Cícero, cujo processo de reconciliação da Igreja com ele ainda engatinha lerdamente pelos corredores da Santa Sé, e a mineira Nhá Chica, de Bependi, recentemente beatificada, mas longe ainda da canonização. Ambos contam com imensa aceitação na devoção dos fiéis, embora a Igreja ainda não os tenha declarado santos.
         Fora isso, nossos candidatos à santidade possuem diminuta torcida de devotos, o que de certa forma torna sem graça suas candidaturas e lança uma dúvida: será que a voz do povo, que já consagrou o Padre Cícero e Nhá Chica, é mesmo a voz de Deus? Ou em matéria de santidade isso não tem nenhum valor?
         A Igreja precisa refletir sobre este tema reconhecer as opções da devoção de seu rebanho pode ser um caminho para ajudar conter o crescente enfraquecimento do Catolicismo.
             
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(*) advogado e escritor

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